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Maurício de Nassau, um gênio civilizador no Brasil

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Ele inovou na política, no urbanismo, nas ciências, nas artes, e até mesmo no meio-ambiente

O conde João Maurício de Nassau fizera o possível e o impossível para manter-se no cargo de governador do Brasil Holandês, que ocupava desde 1637. Sem sucesso. Sua empregadora, a Companhia das Índias, o demitira por não saber economizar despesas. Então ele partira, finalmente, em maio de 1644, levando saudades daquela terra quente, colorida e sensual – “o país mais belo do mundo”, conforme o descrevera numa carta ao governo flamengo –, saindo daqui muito mais rico do que quando chegara.
Nassau, porém, não viera apenas para ganhar dinheiro, pois era um autêntico humanista, dotado de um espírito crítico, racionalista, inovador. Ele enriquecera, sim, mas também fizera um governo extraordinário, naquele pedaço de mundo ainda semi-selvagem. A ponto de ser tornar uma lenda, por causa disso…

O MILITAR
João Maurício era o primogênito do segundo casamento de D. João VII, senhor de Nassau, um condado do Sacro Império Romano-Germânico, com a princesa D. Margarida. Uma família muito nobre e muito rica. Mas ele tinha doze irmãos só do primeiro casamento do pai. E, querendo construir para si uma bela mansão em Haia, na Holanda, ao custo de 500 mil florins, fora trabalhar para a Companhia das Índias Ocidentais – uma empresa multinacional, com sede na Holanda, criada para se apoderar de todas as possessões espanholas e portuguesas nas Américas e na África. Por cinco anos, ele seria governador, almirante e capitão general, ganhando 22 mil florins anuais, mais dois por cento do butim de todas as naus inimigas capturadas no Atlântico. Além do arrecadado “por fora”, em presentes dos seus governados e em negócios particulares, legais ou nem tanto.
Ao chegar aqui, com 33 anos de idade, Nassau já era um soldado experiente, e suas primeiras ações foram no campo militar. Ele expulsara os portugueses e espanhóis das Alagoas, seu último reduto em Pernambuco. Em seguida, incorporara Sergipe, o Ceará e o Maranhão aos domínios da Companhia. Também tentara ocupar a Bahia, sem sucesso. E três anos depois, em 1640, com 41 navios e 2.800 homens, rechaçara, ainda, o ataque da armada do Conde da Torre, enviada pelo rei da Espanha, com 87 naus e cinco mil soldados, após uma série de batalhas navais travadas no litoral nordestino.

O ESTADISTA
A mão de ferro, porém, viera calçada com luva de veludo. Desde o início do seu governo, Nassau se empenhara em conquistar os corações e mentes do povo da terra. Se os flamengos dominavam a navegação e o comércio, a produção de açúcar era competência dos antigos moradores. Sem eles, não haveria o ouro branco que valia tanto, no mercado europeu.
Dentro dessa política de paz e conciliação, ele impedira as perseguições religiosas dos protestantes contra os católicos, e desses dois grupos contra os judeus. Também protegera os índios, e proibira que os escravos fossem marcados a ferro. Interditara, ainda, o lançamento de bagaço de cana nos rios e a derrubada de cajueiros, e mandara os proprietários plantar mandioca e hortaliças nas suas terras, afora cana-de-açúcar, para baixar os preços dos alimentos.
Por fim, fizera uma reforma política. Ele trocara as câmaras municipais que, no passado, eram controladas pelos grandes proprietários, por novas câmaras de “escabinos”, nas quais os artesãos, os comerciantes etc., também ganharam voz ativa. E se algumas dessas inovações irritaram os antigos “poderosos e principais” da terra, ele também os agradara facilitando empréstimos para a reativação do parque açucareiro, destruído pela guerra da ocupação.

O CIVILIZADOR
Se Nassau não fosse nobre, provavelmente seria arquiteto. Ao chegar, ele detestara a vila infecta e desordenada do Recife (hoje, o bairro do Recife Antigo), e erguera outra, na ilha de Antonio Vaz, no meio do Capibaribe. A “Mauriceia”, primeira urbe planejada do Brasil, era cortada por canais e tinha mercado público, serviço de bombeiros e coleta de lixo. Lá construíra, ainda, o Palácio Nova Friburgo, onde despachava; o Palácio da Boa Vista, onde morava; um jardim zoobotânico e duas pontes, a do Recife e a da Boa Vista.
Por fim, o conde trouxera os pintores Frans Post, Albert Eckhout e Zacarias Wagener, para retratar as paisagens e o povo brasileiros. Para estudar as doenças tropicais, importara Willem Piso, além de George Marcgrave, para pesquisar a natureza, e Cornélio Golijath, para desenhar mapas. Tudo isso, claro, custava muito dinheiro. Mas ele, um fino aristocrata, jamais se preocupara em fazer economia. Até o inesperado vir bater à sua porta.

Todos queriam Nassau, menos a sua patroa

Em janeiro de 1641, chegara a notícia de que os portugueses havia declarado independência dos espanhóis, e o cenário mudara inteiramente. Ora, o Brasil fora invadido pelos flamengos, em 1630, porque estava sob o controle da sua grande inimiga, a Espanha. Entretanto, reatada a paz com os velhos aliados lusos, cessara a captura dos navios que partiam carregados de açúcar do Rio e da Bahia para a Europa – até aí, a maior fonte de renda da Companhia, já que a produção dos engenhos pernambucanos ainda não se recuperara da guerra. A empresa, então, começara a operar no vermelho. E, já em abril, o conde gastador fora demitido do emprego.
Nassau ainda tentara se defender com petições das câmaras de escabinos de Mauriceia, da Paraíba, de Igarassu, de Serinhaém e de Itamaracá, rogando pela sua permanência. Os judeus até se ofereceram para pagar suas despesas, e os portugueses quiseram contratá-lo para comandar seu exército. E nesse vai-não-vai se passaram dois anos, até a chegada da dispensa definitiva.
De volta à sua terra, o conde ocupou vários postos civis e militares importantes. E, sendo amigo de grandes artistas e intelectuais como Descartes, Huygens, Bacon, Corneille, Donne e Rubens, entre outros, além de príncipes, como rei Carlos I da Inglaterra, retomou a vida social e cultural refinada, da qual sentira falta nos últimos sete anos.
Ele encarregou o famoso escritor Barlaeus de contar a história do seu governo no Brasil, em latim, a língua das pessoas cultas. Em 1647, foi publicada a Rerum in Brasilian Gestarun Historia. Também patrocinou, em 1648, a Historia Naturalis Brasiliae, escrita por Piso e Marcgrave e ilustrada por Eckout – onze belíssimos livros sobre a fauna, a flora e os povos brasileiros. E, mais adiante, tornou a pegar em armas contra os franceses, em 1667, e os espanhóis, em 1671, como marechal de campo. Seu último título foi o de Príncipe de Nassau-Siegen.
Nassau morreu em 1679, aos 75 anos, em Haia. Doente, na velhice, dormia numa rede bordada e guarnecida de franjas amarelas, que trouxera de Pernambuco. E na próxima semana falaremos do seu incrível secretário, o judeu Gaspar Dias Ferreira.

O Palácio de Haia

A Mauritshuis, ou “Casa de Maurício”, que motivou a vinda de Nassau para o Brasil, é um joia da arquitetura flamenga, projetada pelos afamados Jacob Van Campen e Pieter Post. E foi maliciosamente apelidada pelos diretores da Companhia das Índias de “Palácio do Açúcar”. Transformada em museu, em 1822, abriga, hoje, uma grande coleção de obras de arte – algo que certamente agradaria seu refinado construtor.

Partida triunfal e bagagem monumental

Nassau levou daqui animais vivos e empalhados, coleções de insetos e vegetais, móveis, pinturas, madeiras nobres, cavalos, conchas marinhas e muito mais. Avaliada em dois milhões e seiscentos mil florins, somente essa equipagem pagaria cinco Mauritshuis e ainda sobrariam cem mil florins. O embarque foi na Paraíba, e a viagem do Recife até lá se transformou numa marcha triunfal de onze dias, pois todo povo da região veio despedir-se do conde, além de assistir o espetáculo nunca visto de uma caravana de carros de bois daquele tamanho. O trajeto final dele, pela praia, foi feito nos braços de indígenas, que o chamavam de “irmão”.


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