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Barão da Boa Vista, o reformador do Recife

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Progressista no urbanismo, mas conservador na política, ele sem querer provocou a Revolução Praieira

O Barão acordou com uma zoadeira danada, na manhã do dia dois de fevereiro de 1849. Do seu palacete na Rua da Aurora, à beira do Capibaribe, ele ouvia uma grande fuzilaria ocorrendo nas imediações do Palácio do Governo, em frente, na margem oposta do rio. E de trás vinham os ruídos de outro tiroteio, a uma distância um pouco maior, talvez no Largo da Soledade. Mas, ainda assim, perigosamente próximo.

O ataque dos “praieiros” pegou os recifenses de surpresa. Inclusive o Barão. Há um mês aqueles rebeldes lutavam contra o presidente de Pernambuco, o conservador Manoel Vieira Tosta. Mas os ataques das suas milícias, formadas por pobres matutos, se restringiam ao interior. Então, o general José Joaquim Coelho, comandante das tropas do governo, resolveu acabar com aquela pendenga de uma vez por todas. Porém, foi só ele se afastar da capital, com a maior parte dos seus homens, para dois bandos de figuras maltrapilhas, vestidas apenas de ceroulas e camisa e portando espingardas velhas, cordas e machadinhas, surgirem do nada, uma pelo norte e outra pelo sul, ameaçando a vida e os bens da classe rica, no Recife.
Precavido, o barão mandou preparar uma lancha e mantê-la a postos, no atracadouro em frente ao sobrado. Se necessário, ele buscaria asilo em algum navio fundeado no porto, com a sua família. Mas, subitamente, fez-se um estranho e inesperado silêncio sobre as águas do Capibaribe…

PARIS TROPICAL

Filho de uma das mais tradicionais famílias pernambucanas, Francisco do Rego Barros nasceu em 1802, no Engenho Trapiche. Aos quinze anos, em 1817, sentou praça como cadete no Regimento de Artilharia do Recife. E, em 1821, meteu-se no Movimento Constitucionalista, contra o governador português Luís do Rego, sendo por isso preso e enviado para Lisboa, onde passou dois anos, aferrolhado. Posto em liberdade, ele seguiu para a França e bacharelou-se em matemática pela Universidade de Paris.

De volta ao Brasil, ajudou a fundar o Partido Conservador, apelidado de “Saquarema”, tornando-se seu líder máximo em Pernambuco. E com apenas 35 anos, em 1837, foi nomeado presidente desta província, cargo que ocupou até 1844; ganhando, ainda, do imperador D. Pedro II, em 1841, o título de Barão da Boa Vista.

Os cinco primeiros anos do seu governo foram de navegação em águas calmas, pois o Partido Liberal, ou “Luzia”, que deveria lhe fazer oposição, era aqui dominado pelos Cavalcanti de Albuquerque, ligados a ele tanto por interesses políticos quanto por laços de família. Afinal, este era o sobrenome da sua mãe, dona Mariana, e da sua mulher, dona Ana Maria. E reinando absoluto à frente dessa todo-poderosa aliança, o Barão, que era metódico, trabalhador e preparado, dedicou-se às reformas urbanísticas.

A capital pernambucana carecia de serviços de água e esgotos, e de logradouros e prédios públicos; o porto e as pontes pediam melhorias; a maioria das ruas não tinha calçamento. E ele, que era um apaixonado pela “cidade-luz”, decidiu fazer do Recife uma Paris tropical, para isso mandando buscar na França uma equipe chefiada pelo engenheiro Louis Vauthier, e encarregando-a da realização de muitas obras.

Foi uma intervenção de grandíssimo porte, só comparável àquela feita por Maurício de Nassau, dois séculos atrás. Mas, como tudo tem um preço, o custo da sua ousadia, nesta terra de gente historicamente inquieta e turbulenta, fora o crescimento da revolta nos meios populares.

PREÇO DAS OBRAS

Ora, no plano nacional, o Partido Conservador era acusado de conivente com o monopólio do comércio pelos estrangeiros, com os latifúndios improdutivos e com o poder excessivo dos grandes proprietários. E em Pernambuco, além disso, choviam as denúncias de desvio de recursos das obras em andamento, a ponto de os conservadores locais, comandados pelo Barão, serem apelidados de “guabirus” — ou seja, ratos, “ladrões sorrateiros dos cofres públicos”.

Como resultado, surgiu, em 1842, o Partido Nacional de Pernambuco — uma dissidência local do Partido Liberal, aqui controlado pelos Cavalcanti de Albuquerque. Formado por padres, militares, comerciantes, advogados etc., e apelidado de “praieiro” porque seu principal jornal, o “Diário Novo”, tinha sede na Rua da Praia, ele representava as “classes inferiores”, “deserdadas dos bens sociais ou oprimidas por leis tirânicas e ofensivas dos seus supostos direitos”, nas palavras de um conservador. E chegou a governar a província por mais de três anos.

Mais um levante por terra, justiça e trabalho

Em 1844, com a vitória do Partido Liberal sobre o Conservador nas eleições nacionais, o baiano Chichorro da Gama foi nomeado presidente de Pernambuco e fez um governo popular. Além de trocar guabirus por praieiros nos cargos públicos, ele teve a audácia de mandar a polícia varejar engenhos em busca de criminosos lá acoitados — uma novidade que teve um grande impacto político porque, até então, só se entrava nas grandes propriedades com autorização dos seus donos.

Em 1848, porém, a roda da fortuna girou novamente. Os luzias (liberais) perderam as eleições nacionais; o saquarema (conservador) pernambucano Pedro de Araújo Lima, Visconde de Olinda, assumiu a chefia do gabinete ministerial; e Chichorro da Gama foi despachado de Pernambuco. E o Barão achou que as coisas voltariam ao seu devido lugar, assim como o Capibaribe transbordava, mas sempre retornava ao seu leito, após as chuvas — ou seja, com os poderosos mandando e os pequenos obedecendo.

Daquela vez, porém, não foi assim.

Os praieiros não aceitaram a derrota e não se recolheram, à espera de outra oportunidade pelo voto. Em vez disso, formaram uma junta provisória, liderada por Peixoto de Brito, e se levantaram em armas, repetindo o que outros pernambucanos haviam feito inúmeras vezes, no passado. E no dia dois de fevereiro de 1849 eles conseguiram chegar a poucas braças do Palácio do Governo, já estando perto de derrubar o presidente Manoel Tosta, quando o inesperado aconteceu.

A notícia da morte em combate de um dos principais líderes da Praia, o deputado Joaquim Nunes Machado, no Largo da Soledade, fez cessar subitamente o ataque, para alegria do Barão. E o movimento revolucionário, que ainda se manteve por algum tempo, no interior, foi ficando cada vez mais fraco, até seu fogo apagar de vez.

Francisco do Rego Barros foi ainda promovido a visconde, em 1858, e a conde, em 1860. E ganhou as comendas da Casa Imperial, da Imperial Ordem do Cruzeiro, da Imperial Ordem da Rosa, da Imperial Ordem de São Bento de Avis e da Ordem Militar de Cristo. Também foi deputado geral e senador do Império, de 1850 a 1870, e presidente do Rio Grande do Sul, entre 1865 e 1867, lá acumulando a função de Comandante das Armas, durante a Guerra do Paraguai. E morreu no Recife, em 1870.
Na próxima semana, o agitador Borges da Fonseca.

Revolução urbana

Ao Barão e ao engenheiro francês Louis Vauthier os recifenses devem, além do Palácio do Governo e do Teatro de Santa Izabel, o Ginásio Pernambucano, a Assembleia Legislativa, a Alfândega (o Paço atual), a Penitenciária (hoje, Casa da Cultura), a ponte pênsil de Caxangá (a primeira desse tipo, no Brasil, destruída por uma enchente do Capibaribe, em 1869), além da reforma das pontes do Recife e da Boa Vista. E, ainda, o aterro de vários manguezais, inclusive um que possibilitou a abertura do Caminho Novo, uma estrada que partia da Rua da Aurora em direção à Várzea — hoje, no seu trecho inicial, a Avenida Conde Boa Vista.

Regressão social

Jerônimo Figueira de Melo, chefe de polícia conservador, assim analisou o governo do Barão: “Como consequência desses manejos, resultou que a província se dividiu em dois partidos. A um deles estão ligados os proprietários, os negociantes, os capitalistas, todas as classes ilustradas e os primeiros empregados do governo. Ao outro, guardadas algumas exceções, aderiram as classes inferiores e ignorantes da população que, julgando-se deserdadas dos bens sociais ou oprimidas por leis tirânicas e ofensivas dos seus supostos direitos, nutrem no coração os sentimentos do ódio, da inveja e da vingança contra as classes superiores, no mais elevado ponto de exaltação”.


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