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Duarte Coelho, o patriarca fundador da Nova Lusitânia

Sua decisão de vir pessoalmente administrar a capitania que ganhara do rei moldaria todo o futuro de Pernambuco

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Ao partir do Recife para Lisboa, em 1553, levando consigo seus dois filhos adolescentes, Duarte Coelho Pereira tinha tudo planejado, como de costume. A capitania da qual era donatário ficaria aos cuidados da sua esposa, D. Brites, com ajuda do irmão dela, Jerônimo. Os meninos iriam desasnar frequentando a corte lusitana. E ele, ainda bem disposto, apesar dos 68 anos de idade, levaria suas reclamações ao rei, pessoalmente. Queriam lhe tirar direitos adquiridos sobre as terras que ganhara às léguas, no papel, e conquistara palmo a palmo, com muita luta. Mas o velho guerreiro não se deixaria dobrar facilmente.
Daquela vez, contudo, as coisas não seguiriam o rumo traçado por ele…

A TERRA BRASILIS
Quando pisara em de Pernambuco pela primeira vez, em 1535, Duarte não se assombrara com o clima quente e a opulência da natureza, como a maioria dos europeus. Dos seus cinquenta anos de idade, passara mais de vinte lutando e fazendo negócios na África e na Ásia. Ele estivera em Málaca, em Goa, e em outros sítios que também ficavam no hemisfério sul e na mesma latitude que o nordeste do Brasil, embora do outro lado do mundo. E, portanto, eram muito parecidos. A única novidade fora os arrecifes, aquela fantástica muralha de arenito e coral que facilitava a ancoragem das naus lusitanas e as protegia das inimigas.
Os nativos também não o impressionaram. Morenos e fisicamente semelhantes a alguns povos orientais, eram, porém, muito primitivos. Mas, como homem, apreciara a beleza das mulheres, que tomavam vários banhos por dia e andavam desvestidas como vieram ao mundo, exibindo inocentemente as suas “vergonhas” raspadas.
O donatário, porém, era um sujeito sério e viera acompanhado da esposa. Ele não se comportara como seu cunhado Jerônimo, o “Adão pernambucano” que, mais adiante, no seu testamento, declararia ser pai de 24 filhos: oito com a índia Tabira, ou Maria do Espírito Santo, sua primeira mulher; onze com a segunda, D. Felipa de Melo; e mais cinco avulsos; afora os muitos que não assumiria. Duarte só teve, e apenas com D. Brites, seus dois meninos, Duarte e Jorge, e uma menina, Inês, que se casaria muito nova com Jerônimo Moura e morreria tragicamente, na mesma semana que o marido e o filho recém-nascido.

DECISÃO HISTÓRICA
Duarte ganhara Pernambuco através do programa das capitanias hereditárias lançado pelo rei D. João III – chamado de “o Piedoso”, porque era muito carola – para resolver o problema da ocupação do Brasil. E, dentre todos os donatários, fora o que melhor se saíra. Não só porque era maduro e experimentado na luta, mas também porque, ao contrário da maioria, viera pessoalmente cuidar do seu lote, que batizara de Nova Lusitânia. Ele chegara aqui de mala e cuia, acompanhado de amigos e de gente da sua terra, o Entre-Douro e Minho. Poderia ter ficado em Portugal, gozando a fortuna que ganhara com muita luta, ao lado da jovem de dezoito anos com quem acabara de casar. Mas, talvez, por ser filho bastardo, quisesse ascender socialmente, e no aristocrático mundo português da sua época, um barão dono de terras valia mais que um capitalista endinheirado.

MOVIDO A AÇÚCAR
Assim com as outras capitanias, Pernambuco era uma faixa de sessenta léguas de largura, mais ou menos, começando no litoral e estendendo-se horizontalmente até a linha divisória do Tratado de Tordesilhas, que ninguém sabia onde ficava. Seus limites eram o rio de Santa Cruz, ao norte, e o São Francisco, ao sul. E, na terceira década do século XVI, servia de palco a ferozes batalhas entre franceses e portugueses e seus aliados indígenas, os potiguares e os tabajaras.
Então Duarte viera, vira e vencera aquela guerra, com ajuda de Jerônimo de Albuquerque. Seu cunhado levara uma flechada no olho e fora capturado por índios numa batalha; mas, em vez se ser comido por eles, conquistara a filha do cacique Arcoverde e casara-se com ela, tornando aquela tribo sua aliada.
Então, a colonização pudera começar. O donatário fundara a vila dos Santos Cosme e Damião, a primeira de Pernambuco, à beira do rio Igarassu, e passara a distribuir entre os colonos as terras que ia tomando dos nativos. Depois, num local belíssimo, no topo de uma colina, fundara Olinda, que seria sua capital. E, em seguida, o vilarejo do Recife, numa península coberta de mangues na foz do Capibaribe, sem nem um poço de água potável, mas com um porto extraordinário.
O motor econômico do seu projeto era o açúcar. Um produto de grande valor na Europa e cuja fabricação – uma arte aprendida nas Índias, pelos portugueses – não era novidade por aqui. Desde 1516 havia um engenho em Itamaracá. E o retorno não demorou a chegar, devido à capacidade administrativa de Duarte, que cuidava de tudo detalhadamente. Em Olinda, por exemplo, ele determinara que se preservasse parte da vegetação nativa e se reservassem áreas para uso comum. Mas, também, devido à sua mão forte, porque as pendengas os inimigos a enfrentar não eram poucos.

As pedras no caminho do donatário

Os índios, expulsos das suas terras e vendo suas mulheres e filhas sendo violadas pelos europeus, partiam para a guerra sempre que podiam. Ou, sendo obrigados a trabalhar como escravos nos engenhos, fugiam para o mato. Os contrabandistas de pau-brasil, os piratas que infestavam o Atlântico e os degredados portugueses – criminosos cujo castigo era seu envio para o Brasil – causavam um problema atrás do outro. E o rei não facilitava. Duarte, por exemplo, cansara de escrever pedindo-lhe autorização para importar escravos negros da Guiné e a suspensão do despacho de bandidos para a sua capitania, sem ser atendido. Mas nunca esmorecia, era um modelo de firmeza. Chegara a aplicar uma surra no capitão-mor da vizinha capitania de Itamaracá, por ser aquele sujeito incapaz de controlar os degredados que lá se homiziavam, desmoralizando-o e obrigando-o a sair do País.
O que o ajudava era a grande autoridade concedida aos donatários. Eles podiam distribuir terras ou reservá-las para si, fundar vilas, nomear tabeliães e julgar malfeitos das pessoas de menor categoria social até a última instância (os fidalgos, se condenados por crime de morte, ainda podiam apelar para o rei). Mas essas prerrogativas começaram também a ser questionadas após a instalação de uma governança geral do Brasil, na Bahia, em 1548. Principalmente, a que vedava a entrada de fiscais da coroa nas capitanias.
“Nessas terras não pode ir provedor-mor, o que me parece um grande desserviço de Deus e de vossa consciência”, assim reclamava ao rei o primeiro governador-geral, Tomé de Souza. E D. João III, que não mexera nos direitos “dos Albuquerque de Pernambuco”, ainda por algum tempo, começara, finalmente, a retirá-los, enfurecendo o velho Duarte. Então, em 1553, ele embarcara para Lisboa, em busca de uma conversa cara a cara com Sua Majestade.
Lá chegando, porém, aguardara um ano inteiro por uma audiência sempre postergada, e morrera sem ser recebido. Quiçá, de desgosto e tristeza pela desconsideração.
Apesar disso, o Pernambuco que ele fundara e conduzira por dezoito anos continuaria florescendo, a ponto de Olinda, sua capital, ser chamada de “Cabeça do Brasil” e de “Pequena Lisboa”, nas décadas seguintes.
É o que veremos adiante, ao tratarmos do filho e sucessor de Duarte, Jorge de Albuquerque Coelho.

As brasileiras vistas por um europeu

O florentino Américo Vespuccio, que de tanto escrever sobre o Novo Mundo acabou lhe emprestando seu nome, anotou: “as índias andam sempre nuas e são libidinosas. Não têm nada defeituoso em seus corpos formosos e limpos, nem são grosseiras, como se poderiam supor (…). Uma coisa nos pareceu milagrosa: que entre elas nenhuma tinha os peitos caídos. E as que haviam parido, pela forma do ventre e na estreiteza de certas partes do corpo, as quais, por pudor, não menciono, não se diferenciavam em nada das virgens”.

A primeira "PPP" (parceria público-privada) do Brasil

O pequenino Portugal não dispunha de recursos para colonizar o imenso território que chamava de seu. E os franceses insistiam em estabelecer feitorias por lá, de onde traziam pau-brasil, algodão, papagaios, plumas, peles e couros negociados com os índios. Então, em 1534, o rei D. João III resolveu doar grandes lotes de terra a quem se dispusesse a colonizá-los, que seriam herdados pelos seus descendentes. Já o capital para financiar essa empreitada seria fornecido principalmente por judeus expulsos de Portugal pela Inquisição e estabelecidos na Holanda.


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