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Cruz Cabugá, o primeiro embaixador brasileiro

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Ele representou seu país nos Estados Unidos e planejou o resgate de Napoleão da ilha de Santa Helena

Antônio Gonçalves da Cruz há muito projetava mudar-se para a América do Norte. Já tinha até vendido a maior parte dos bens que herdara do pai, junto com a profissão de comerciante e o apelido de “Cabugá”. Inclusive, o belo sobrado onde morava, por dezoito contos de réis. Mas, quando a Revolução irrompeu subitamente no Recife, no dia seis de março de 1817, ele adiou sua partida e assumiu o posto de diretor do Erário, uma espécie de ministro da Fazenda do governo republicano.

Por algum tempo, com ajuda de outros dois comerciantes — Domingos Martins, um dos cinco governadores provisórios, e Gervásio Pires, conselheiro da República —, o Cabugá fez uma série de intervenções na economia local; até embarcar, finalmente, no dia 25 de março, na histórica condição de primeiro embaixador do povo brasileiro junto a uma nação estrangeira, incumbido de missões importantíssimas. Do seu trabalho nos Estados Unidos dependia o futuro do regime democrático que estava se tentando implantar no Brasil, a partir de Pernambuco…

MEDIDAS RADICAIS

O Cabugá era um mulato de quarenta e poucos anos, rico, solteiro, farrista e apreciador dos prazeres da vida. Mas era, também, um grande patriota, detestado pelos portugueses, e um ferrenho defensor das “ideias francesas” — Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Ao voltar de uma viagem à França, em 1797, por exemplo, ele trouxera retratos dos heróis da Revolução de 1789 e os pendurara ostensivamente nas paredes do sobrado onde vivia e onde funcionava a loja maçônica “Pernambuco do Oriente”. E ainda ajudara a fundar mais três clubes secretos em Pernambuco: “Guatimosin”, “Restauração” e “Patriotismo”.

Esta capitania era rica e movimentada, naquele tempo, embora as classes populares vivessem praticamente na miséria. Grande exportadora de açúcar e algodão, ela exercia o papel de centro econômico da região nortista — assim como o Rio de Janeiro era da sulista —, com o Ceará, a Paraíba e o Rio Grande do Norte sob a sua influência. Mas poderia progredir ainda mais se os produtores agrícolas não penassem tanto com os monopólios comerciais, as altas taxas de juros e a enorme carga de tributos cobrada pelo governo do príncipe D. João. E o povo não precisava passar tanta fome.

Com o Cabugá à frente do Erário, a nova administração republicana operou, de fato, uma revolução na economia local. Estabeleceu plena liberdade de comércio com todas as nações estrangeiras. Isentou de taxas os produtos de primeira necessidade como grãos, armas e equipamentos científicos. Democratizou o sistema de concessão de alvarás, através do qual os portugueses mantinham os brasileiros praticamente fora do mundo dos negócios. Revogou os impostos sobre lojinhas, embarcações e canoas, que incidiam sobre os pequenos. E passou a comprar alimentos e revendê-los à população a preço de custo, acabando com o monopólio dos mascates lusos que compravam em grosso, estocavam, esperavam a fome crescer e depois revendiam aos retalheiros, hoje por cinco, amanhã por dez, depois por quinze etc. Entre outras medidas de grande impacto, tomadas em apenas duas semanas.

Então, Gervásio Pires assumiu o Erário e o Cabugá embarcou, finalmente.

MERCANTILISMO

Naquele tempo, os Estados Unidos eram uma espécie de Eldorado dos revolucionários latino-americanos — o único país do continente já livre do colonialismo europeu e o único do mundo onde vigorava uma autêntica democracia. E a primeira missão do embaixador de Pernambuco era tentar conseguir do governo de lá o reconhecimento da nossa república e o favor de advogar por ela, junto à Inglaterra. Em troca, ele ofereceria isenção de impostos para as mercadorias norte-americanas, por vinte anos.

Cabugá, na verdade, não alimentava grandes esperanças de sucesso, pois já fora alertado de que o espírito daquela nação era mercantil — ideais revolucionários eram uma coisa e negócios, outra. Se os brasileiros se libertassem sozinhos, ótimo; seriam saudados como irmãos. Até lá, os estadunidenses, que disputavam com ingleses e franceses o valiosíssimo mercado do Brasil para produtos industrializados, não correriam o risco de prejudicar suas relações com Portugal — que ainda mandava por aqui — por causa de alguns rebeldes iniciantes na política.

Sua segunda missão, porém, de caráter militar, era fundamental para a Revolução.

Em busca de armas, navios e instrutores

Cabugá não encontrou facilidades, com o eficiente Abade Serra, representante de Portugal nos Estados Unidos, fazendo tudo para estorvá-lo. Só conseguiu ser recebido em caráter particular pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Richard Rush. Ainda assim, arrancou a nomeação do seu amigo Charles Ray para a função de cônsul-geral no Recife, ato que deu uma aparência simbólica de reconhecimento à república pernambucana.

Também fez um bom trabalho junto à imprensa. Apenas algumas vozes anônimas — ou seja, o Abade Serra — tentaram negar o valor do movimento pernambucano pelos jornais de lá, dizendo tratar-se de rebeldia de uma região isolada, ao contrário da América Espanhola, que se levantara de norte a sul. Mas outras vozes — ou seja, o Cabugá — responderam que Boston também começara a revolução norte-americana sozinha, com uma população ainda menor que a do Recife. E o próprio Thomas Jefferson, um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos, chegou a escrever ao francês Lafayette, herói das revoluções norte-americana e francesa: “Lisboa perdeu uma grande província, e não será de admirar se todo o Brasil se levantar e mandar a família real de volta para Portugal”.

Suas tarefas mais urgentes, entretanto, eram conseguir navios de guerra para proteger os portos de Pernambuco, bloqueados por naus monarquistas, e enviar armas e instrutores para equipar e treinar as tropas pernambucanas. E ele as cumpriu fielmente.

Com ajuda dos seus irmãos maçons e dos sessenta contos de réis que levou consigo, o embaixador comprou dez mil fuzis e os despachou para cá. E ainda convenceu alguns militares franceses, exilados na América do Norte após a derrota de Napoleão em Waterloo, em 1814, a vir adestrar nossos soldados, que lutavam contra os portugueses. Afinal, Portugal era partidário da Santa Aliança, a liga de países europeus que vencera Bonaparte. Portanto, um inimigo comum. Em troca, eles ganhariam uma flotilha, para com ela tentar libertar seu imperador, preso numa ilha no meio do Atlântico.

Mas, enquanto isso, a Revolução era derrotada. Em consequência, as armas embarcadas para cá jamais foram entregues. E os franceses acabaram sendo descobertos e presos, a caminho do Recife.

Cruz Cabugá por sua vez, ficou nos Estados Unidos, tornando-se cônsul-geral brasileiro naquele país após a Independência, em 1822. E permaneceu na carreira diplomática até morrer na Bolívia, em 1833. Hoje, dá nome a uma importante avenida que liga o Recife a Olinda.

Um projeto que poderia...

Naquela época de sonhos e ideais grandiosos, se achava que tudo era possível. Por isso, quatro militares franceses aceitaram a incrível proposta do Cabugá. O Conde de Pontécoulant, o coronel Latapie e os soldados Artong e Raulet vieram treinar os soldados pernambucanos com a promessa de empréstimo de algumas naus, no futuro, para com elas libertarem seu imperador, Napoleão Bonaparte, aprisionado pelos ingleses nos rochedos de Santa Helena. Pontécoulant partiu na frente para fazer o reconhecimento do país, enquanto os outros compravam e embarcavam uma partida de armas. Então, reuniram-se todos em Natal e seguiram para o Recife, mas foram presos ao fazer escala na Paraíba.

...ter interferido no rumo da História

Por sorte, o general português Luís do Rego, então governador de Pernambuco, ficou bem impressionado com eles e permitiu que Pontécoulant e Raoulet fossem viver na vila de Natal, da qual tinham gostado muito. Latapie e Artong, por sua vez, seguiram para Rio de Janeiro. Por sugestão de Rego, foram contar sua história a D. João VI e lhe fazer uma descrição dos Estados Unidos e do modo como os americanos viam o Brasil. E assim acabou essa aventura extraordinária que, se não fosse interrompida, poderia ter tido um final surpreendente.


Gertrudes Marques, uma mulher do povo em 1817

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A Revolução permitiu aos humildes respirar os vapores da justiça e da igualdade, como nunca antes

Dela não sabemos quase nada. Mas é provável que, como todo mundo, no Recife, Gertrudes tenha sido pega de surpresa pelo levante que irrompeu, subitamente, no dia seis de março de 1817. Até então, a política era proibida, e aquilo vinha sendo preparado pela maçonaria, uma sociedade secreta formada por homens instruídos como padres, militares, advogados etc. — bem longe das vistas dela, que era mulher, parda, pobre e analfabeta. O novo regime, porém, lhe trouxe grandes vantagens, e ela deve ter feito o que pôde para apoiá-lo, sem imaginar o quanto isso lhe custaria…

COMIDA E ALEGRIA

A primeira novidade boa foi a queda no preço dos alimentos. É verdade que as secas, aqui acolá, contribuíam para a carestia. Mas, como dizia o bispo Azeredo Coutinho nas suas pregações, anos atrás: “a miséria não deve ser atribuída às intempéries e sim à conjuração de mãos dadas entre homens ricos e poderosos, para tirar todo partido possível da desgraça do povo”. Os grandes responsáveis pela fome eram os comerciantes lusos que especulavam à vontade, mancomunados com as autoridades que deveriam fiscalizá-los; e o governo revolucionário tomou logo a providência de adquirir alimentos e revendê-los à população a preço de custo. E ainda mandou os agricultores plantarem mandioca, feijão, milho e arroz, além de cana e algodão, para tornar Pernambuco menos dependente do que vinha de fora.

Formidável, também, foi o decreto abolindo os tratamentos de “senhor” e “vosmicê” dados às pessoas consideradas importantes. Todos passaram a se tratar apenas de “patriota” (equivalente, hoje, a “companheiro”) e “vós” (você), e os pobres não precisaram mais dar passagem quando cruzavam com alguém “bom” (rico) na rua. Naqueles tempos modernos, Gertrudes viu muitos negros cativos bater nos ombros dos brancos, dizer “bons dias, patriota” e pedir ou oferecer tabaco, sem tirar o chapéu da cabeça. E, provavelmente, se embriagou com o “vapor” (“ar” ou “cheiro”) de uma igualdade que jamais havia respirado.

Por fim, ela deve ter se divertido muito. Os maracatus — ou “batuques de negro”, como também eram chamados —, que estavam proibidos, foram liberados. E a massa formada por pretos, mulatos e brancos pobres pôde desfilar pelas ruas sem estar de cabeça baixa, acompanhando uma procissão. Pelo contrário, festejando à vontade, bebendo, cantando, dançando e celebrando a liberdade como nunca fizera antes.

Já o casamento do governador Domingos Martins com a jovem Maria Teodora foi a maior festa popular até então ocorrida em Pernambuco. Aquele casal bonito namorara em segredo durante quatro anos porque o rapaz, mesmo sendo um comerciante de posses, era brasileiro; e o pai da moça, um português muito rico, jamais permitiria que sua filha se unisse a um deles. Foi preciso uma revolução para botar abaixo esse preconceito, e Gertrudes deve ter comemorado muito essa vitória nas ruas, junto com o povo. A festa da benção da bandeira — aliás, muito bonita, azul e branca e bastante enfeitada com um sol, um arco-íris, três estrelas e uma cruz — também foi enorme. Mas toda essa alegria, infelizmente, durou pouco.

LADEIRA ABAIXO

A tristeza começou já no dia onze de abril, quando navios de guerra portugueses bloquearam o porto. Logo pararam de entrar a charque do Rio Grande do Sul e o feijão e a farinha da Bahia, com os quais se fazia o “pirão”, prato principal da gente pobre e remediada. E quando os governos revolucionários da Paraíba e Rio Grande do Norte foram derrubados, e a maior parte dos distritos do interior de Pernambuco também deu as costas à Revolução, o “de comer” acabou-se de vez, no Recife.

Em maio, Gertrudes ouviu falar de um grande exército monarquista despachado da Bahia, que cruzara o rio São Francisco, e viu a cidade ir ficando deserta. O movimento no porto, outrora intenso, cessou completamente, e quem podia partia de mala e cuia. Só restaram os pobres sem recursos nem parentes no interior. E a chegada, aos poucos, dos soldados republicanos derrotados na batalha travada contra o tal exército inimigo no Engenho Trapiche, no dia 13 de maio — eles vinham pálidos, esmolambados, com os pés estragados —, dava a impressão de que tudo estava perdido, mesmo.

Finalmente, na manhã de 18 de maio, ela soube que o governo revolucionário mandara dois embaixadores ao encontro do comandante da esquadra do bloqueio, o vice-almirante Rodrigo Lobo, para negociar a rendição. Mas, à tarde, correu a notícia de que eles tinham retornado sem fechar acordo, e ninguém parecia saber o que fazer, naquela situação. Nem mesmo o general Domingos Teotônio, eleito comandante único pelos demais governadores, para enfrentar a crise.

Uma repressão ferocíssima, porém inútil

No dia 19, Teotônio enviou outro negociador ao encontro do Lobo. Porém, sem esperar pela resposta, reuniu suas tropas e abandonou o Recife, pretendendo seguir com a luta no interior.
A causa, porém, já estava perdida.

No dia 20, chegou a notícia de que a coluna de Teotônio se dissolvera no Engenho Paulista, poucas léguas ao norte. E Gertrudes viu a perseguição aos derrotados começar, e um pavoroso clima de terror se estabelecer rapidamente, com espiões por toda parte, estupros das filhas e mulheres dos patriotas e sequestro dos seus bens.

De início, os líderes revolucionários iam sendo despachados para a Bahia, na medida em que eram capturados. Mas, com a chegada do novo governador português, o general Luís do Rego, em junho, instalou-se um tribunal militar no Recife e os julgamentos e execuções passaram a ser feitos lá mesmo. Até que, em setembro, o príncipe D. João, ao proclamar-se rei, depois de conceder autonomia à comarca das Alagoas, como mais um castigo aos pernambucanos, suspendeu a devassa. Dos 180 presos que havia no Recife, uma parte foi libertada e maioria levada para Salvador, onde os que não morreram de maus tratos ainda penaram por mais quatro longos anos.

A repressão, porém, não se restringiu aos patriotas ricos e remediados. Centenas de escravos e de homens pobres livres, que de algum modo apoiaram a República, foram violentamente açoitados, enquanto as mulheres recebiam “bolos” de palmatória nas mãos. E não apenas como punição, mas para esquecerem o gostinho da justiça e da liberdade que haviam experimentado, para lembrar-se que não passavam de gado humano — o que não adiantou de nada, haja vista o grande apoio popular aos levantes ocorridos nos anos seguintes, em Pernambuco.

A humilde revolucionária Gertrudes Marques, por exemplo, ficou 45 dias presa, tomando duas dúzias de bolos pela manhã e duas pela tarde; e uma pequena anotação, nas atas da devassa, foi o único registro que dela ficou para a História. Mas aqui a recordamos, em sua homenagem e em homenagem a milhares de outros heróis e heroínas brasileiros/as anônimos/as, do passado e do presente.

Mulheres na política

Participar das atividades políticas era algo praticamente fora do alcance feminino, no Brasil colonial. Inclusive das mulheres de classe alta, também mantidas na ignorância e submetidas ao “pátrio poder” dos seus pais e maridos. Mesmo assim, duas pernambucanas se destacaram, em 1817: Maria Teodora da Costa, a “noiva” da Revolução, e Bárbara de Alencar. Essa última, uma viúva de posses, futura avó do escritor José de Alencar, liderou o levante no distrito do Crato, Ceará, sendo por isso detida e encarcerada na Bahia.

O francês e as pernambucanas

O comerciante François Louis Tolennare, que esteve no Brasil em 1817, fez excelentes observações sobre Pernambuco, em geral, e sobre as pernambucanas, em particular. Na opinião dele, por exemplo, as brancas ricas tinham “olhos que prometiam muito”, mas raramente eram bonitas ou interessantes, devido ao ócio e à reclusão. Elas mal saíam de casa, viviam rodeadas de escravas e a falta de exercícios deformava seus corpos desde a adolescência. As negras, porém, eram fantásticas. Quanto mais ele as observava, mais via nos seus corpos “as maravilhosas curvas das estátuas gregas”. E “não havia roupa, por mais vulgar ou ousada, que não soubessem vestir com originalidade e aprumo”.

General Luís do Rego, o mais odiado dos portugueses

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Dentre todos os governadores desta capitania nos tempos do Brasil Colônia, ele foi, sem dúvida, o pior, mas teve seu castigo

Um ferimento mal sarado incomodava o general Luís do Rego Barreto, em setembro de 1821. Dois meses atrás, ele se divertia com alguns amigos, à noite, apreciando o vai-e-vem das mulatinhas na Ponte da Boa Vista, quando um rapaz bem vestido se aproximou e lhe desfechou dois pistolaços à queima-roupa. Felizmente, para ele, um tiro se perdeu e o outro só lhe atingiu um braço. Infelizmente, a recuperação vinha sendo lenta e dolorosa, devido à incompetência dos médicos que o atendiam. E o que é pior, num momento extremamente difícil, com os pernambucanos rebelados e prestes a atacar o Recife, para derrubá-lo do posto.

Luís do Rego, porém — um soldado que ganhara fama de corajoso na Europa, nas guerras napoleônicas, e ainda se mantinha forte e ágil, apesar de cinquentão —, jamais fugira da luta. E não pretendia se deixar expulsar desta capitania, tal como outros governadores portugueses haviam sido expulsos, em tempos passados…

O TIRANO

“El Rei, nosso senhor, me mandou à testa dessa forte divisão militar para terror e destruição dos malvados”, o general já foi avisando ao desembarcar no Recife, em junho de 1817, à frente de três mil homens. Ele recebera do príncipe D. João a incumbência de esmagar a revolução que ali rebentara, no dia seis de março; mas, quando chegou, ela já estava derrotada. Então se dedicou a perseguir os vencidos, tornando-se “o simum abrasador, o vento do deserto que, na sua veloz carreira, tosta a face dos viajantes, quando não os fulmina de morte”, nas palavras de um pernambucano.

Luís do Rego ocupou essa terra como se fosse um país inimigo. Criou um tribunal militar para julgar patriotas — pacíficos homens de bem, na maioria — com ritos sumários; e logo enforcá-los; esquartejar seus corpos, que eram atados em caudas de cavalos e arrastados pelas ruas; e expor suas cabeças e mãos nas vias públicas. Profanou cadáveres, mandando arrancá-los dos túmulos. Permitiu que seus oficiais violassem abrigos religiosos e estuprassem as jovens e senhoras lá albergadas. Castigou os habitantes do povoado de Mimoso, mandando arrastar todos eles à força, para o Recife. Ordenou a destruição de outra povoação inteira, Rodeador de Bonito, que se ajuntara em torno de um pregador místico, o Mestre Quiou, fuzilando e queimando vivos seus habitantes. E contra todo esse despotismo o povo clamava por vingança; até que ela chegou, finalmente.

NOVOS TEMPOS

Os problemas de Rego começaram em outubro de 1820, quando se soube, no Recife, que na cidade do Porto, em Portugal, fora deflagrado um movimento constitucionalista. Sentindo-se abandonados por D. João VI, que se mudara para o Brasil em 1807; governados por um inglês, o marechal Beresford, o que era motivo de vergonha para eles; e em meio a uma grave crise econômica, os portugueses se rebelaram. Com apoio dos militares, foram convocadas as “Cortes”, uma assembléia de deputados que passou a exigir volta do rei para Lisboa; e que, doravante, o país tivesse uma constituição e Sua Majestade fosse obrigado a respeitar a lei, como todo mundo.

Logo, os patriotas pernambucanos sobreviventes da Revolução de 1817começaram a conspirar. E vários oficiais maçons do Batalhão Algarves, que vieram para cá sob o comando de Rego, meteram-se numa conjura visando derrubá-lo e implantar aqui uma junta provisória, submetida às Cortes.

O general reagiu com rapidez, prendendo vários suspeitos, mas perdeu a confiança na tropa. E ao saber que o Pará e a Bahia já haviam aderido ao movimento do Porto, trocou a farda por trajes civis e buscou uma saída política para permanecer no poder. Em março de 1821, convidou as autoridades locais a opinar sobre a grave crise política e manobrou para criar uma junta governativa, com ele mesmo à testa.

Então, em maio, soube-se que D. João VI havia jurado uma constituição, no Rio de Janeiro, e as Cortes haviam convocado eleições para deputados das províncias. Essas notícias foram festejadas no Recife por três dias, e Rego rapidamente organizou o processo eleitoral em Pernambuco. As Cortes, porém, viam nele um representante do antigo regime, e o povo o odiava. Para completar, dezenas de revolucionários de 1817 que ainda estavam presos, na Bahia, foram anistiados e voltaram como heróis.

Mesmo assim, o general conseguiu manter-se no governo até que, no dia 21 de julho, sofreu o atentado. Então, concluiu que precisava mostrar força, que tinha de contra-atacar, se quisesse sobreviver política e até fisicamente. Aí, cometeu um grave erro.

Os pernambucanos e as fogueiras de Bonito

Como não descobriu quem fizera os disparos — e, consequentemente, sem poder investigar se houvera cúmplices, nem quem eram eles —, Rego mandou prender arbitrariamente 55 pernambucanos ilustres. Na maioria, recém-anistiados, que haviam saído das masmorras de Salvador três meses atrás. E despachou 42 para Lisboa e 13 para Fernando de Noronha.

Mas o tiro lhe saiu pela culatra. Outros retornados criaram, então, um “governo constitucional temporário” pernambucano, com sede no distrito de Goiana, desconhecendo sua autoridade e declarando-se subordinados apenas às Cortes e ao rei.

Luís do Rego ainda tentou um acordo, propondo que elementos da junta de Goiana se unissem à sua. Os rebeldes, contudo, recusaram; e atacaram o Recife, em setembro.

Dono, porém, de larga experiência militar, e contando com um reforço de 350 homens vindos da Bahia, o general conseguiu conter o ímpeto daqueles bravos, mas improvisados guerreiros. Com o impasse nos combates, foram abertas negociações em Beberibe, onde se instalara o quartel-general rebelde. E após muitas tratativas chegou-se finalmente a um acerto, no dia cinco de outubro de 1821, que entrou para a história com o nome de “Convenção de Beberibe”.

Por esse acordo, os dois lados manteriam suas posições — Rego controlando o Recife e os rebeldes, o interior — até as Cortes e o rei darem a palavra final. E a decisão de Lisboa foi pela criação de uma junta de governo eleita pelos pernambucanos, que acabou sendo inteiramente composta por revolucionários de 1817, com Gervásio Pires na presidência.

Luís do Rego Barreto, então, foi embora, sem dar posse ao sucessor. E ainda viveu muitas peripécias em Portugal, envolvido nas disputas entre absolutistas e constitucionalistas, ao lado desses últimos, até morrer, em 1840, aos 77 anos de idade.

Pernambuco, por sua vez, com governantes nativos e democraticamente eleitos, de acordo com os padrões da época — só votavam homens brancos e de posses —, ficou autônomo, na prática, um ano antes das outras províncias. E, adiante, incorporou-se ao Império. Mas rebelou-se outra vez, em 1824, contra D. Pedro I, na chamada “Confederação do Equador”. E o imperador, tão português e tão autoritário quanto Luís do Rego, nos ameaçou, dizendo: “Pernambucanos, lembrai-vos das fogueiras de Bonito…”.

Adeus, senhores

Os pernambucanos nunca respeitaram os governadores portugueses. O primeiro a ser expulso daqui, em 1666, foi Jerônimo de Mendonça Furtado, apelidado de “Xumbregas” devido aos seus enormes bigodes, parecidos com os bigodes de um general holandês chamado Schömberg. E ainda o homenagearam criando o verbo “xumbregar”, significando fazer patifaria ou safadeza. O segundo banido foi Sebastião de Castro Caldas, ferido à bala numa emboscada, no início da Guerra dos Mascates, em 1710. O terceiro foi Caetano Pinto Montenegro, na Revolução de 1817. E o quarto foi Luis do Rego, em 1821. Houve boatos, também, de que Fernão Cabral, morto no exercício do mandato, em 1688, teria sido envenenado. E o Marquês de Montebelo, se não foi expulso, saiu daqui humilhado, em 1693.

Quem teria sido?

O rapaz que disparou contra Luis do Rego jogou-se no Capibaribe e desapareceu na escuridão. Dias depois seu cadáver foi encontrado, mas com o rosto tão comido pelos siris que não pôde ser reconhecido. O governador mandou, então, expô-lo em praça pública, e ofereceu a grossa recompensa um conto de réis, se fosse homem livre, ou a liberdade, se fosse escravo, para quem o identificasse. Mesmo assim, não apareceu ninguém para prestar esse serviço, tamanho era o ódio que os pernambucanos lhe votavam.

Maria Graham, a inglesa que retratou Pernambuco

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Ela descreveu o povo, a natureza e os costumes locais, e acompanhou de perto duas grandes rebeliões

Lady Maria Dundas Graham arribou aqui pela primeira vez em 21 de setembro de 1821, a bordo da fragata Doris. Era um dia de muito vento, mar agitado, e a turbulência entrava pela terra adentro, pois o Recife estava cercado por pernambucanos que queriam tirar o governador português Luís do Rego do seu posto.

Na verdade, todo o Reino de Portugal, Brasil e Algarves andava, então, sobressaltado. Um levante iniciado na cidade do Porto, em 1820, com apoio das forças armadas, obrigara o rei D. João VI a jurar uma constituição e a voltar para Lisboa, deixando o Rio de Janeiro, onde vivia desde 1808. E nas províncias brasileiras formavam-se juntas para substituir os governadores nomeados por ele. Mas, em Pernambuco, como Luís do Rego não queria sair estavam tentando derrubá-lo, quando a lady chegou.

Esta senhora de 36 anos era famosa na Inglaterra como autora de livros infantis e de viagem, além de notável pintora e ilustradora. Casada com Sir Thomas Graham, já vivera com o marido na Itália e na Índia, países sobre os quais publicara livros. E nos anos seguintes também faria registros sobre o povo, a natureza e os costumes do Brasil, em geral, e de Pernambuco, em particular, onde também testemunhou o Movimento Constitucionalista de 1821 e a Confederação do Equador, em 1824.

CIDADE SITIADA

A primeira coisa que chamou a atenção da inglesa foi os arrecifes ao longo do litoral, “certamente, uma das maravilhas do mundo”. E, em seguida, as jangadas, um tipo de embarcação como ela nunca vira antes, mesmo já tendo percorrido metade dos mares do planeta. Já o Recife lhe pareceu bem adequado para o comércio, pois possuía um excelente porto e era rodeado de rios de águas cristalinas, que serviam tanto para o transporte quanto para a defesa da praça.

Apesar do cerco promovido pelas tropas do interior, na capital não havia fome, pois não faltavam farinha de mandioca, carne seca e peixe salgado, trazidos pelo mar; mas os sitiadores impediam a entrada de leite, frutas e verduras, por terra. Todas as lojas estavam fechadas e os objetos de valor eram encaixotados e guardados nas casas dos comerciantes ingleses, que às vezes também abrigavam famílias inteiras. E “tudo estava em alarme e incerteza, com canhões e soldados por toda parte”.

Maria Graham teve diversos encontros sociais com Luís do Rego e sua esposa, mas também esteve com os nativos rebeldes. Um grupo de tripulantes da Doris foi negociar com eles o fornecimento de alimentos frescos e a lady, ousadamente, conseguiu se encaixar nessa comitiva.

A JUNTA DE 1821

O quartel-general dos insurgentes fora instalado num casarão “com ares de palácio”, a poucas milhas do Recife, em torno do qual estavam acampados “uns duzentos homens de aparência selvagem, com trajos e armas de inúmeras qualidades e de todos os tons de cores, desde o pálido europeu ao ébano africano”. Lá, Lady Graham foi apresentada aos membros da junta que pretendia assumir o governo e ouviu um longo discurso sobre as injustiças praticadas na província por Luís do Rego. Eles alegavam defender uma causa justa e não se consideravam rebeldes, pois marchavam sob a bandeira de Portugal. Aquela fala lembrou à viajante “alguns dos mais bem escritos manifestos dos revolucionários da Itália”, e “havia qualquer coisa no ar, nos modos e na cena, parecida com os comícios que eu assistira naquele país europeu”.

Os brasileiros quiseram saber se a Inglaterra tomaria partido num eventual conflito do seu país com Portugal. E os ingleses, diplomaticamente, responderam que a posição britânica era de neutralidade. Por fim, foi liberado o fornecimento de provisões frescas tanto para a Doris quanto para as outras naus estrangeiras. Inclusive, a venda de novilhos por dez dólares a cabeça — no Recife sitiado negociados por um preço quatro vezes maior.

Naquela ocasião, Lady Graham conheceu Manoel de Carvalho, um revolucionário de 1817 que se asilara nos Estados Unidos, falava inglês muito bem e lhe pareceu ser um homem notável. Três nos depois eles se reencontrariam, também em circunstâncias extraordinárias.

Muito amor pela liberdade e pouca educação

O movimento de 1821 acabou vitorioso, mas Maria Graham partiu antes disso. Ela foi para o Chile, onde ficou viúva e morou por algum tempo. Voltando para a Inglaterra, fez escala no Rio de Janeiro e lá foi contratada para servir como preceptora da princesa Maria da Glória, filha do imperador D. Pedro I e de D. Leopoldina. Antes de assumir o posto, contudo, ela foi a Londres, cuidar da publicação dos seus livros. No retorno, passou novamente por Pernambuco, em agosto de 1824. E mais uma vez encontrou o povo daqui, “que se distinguia pelo espírito republicano e estava sempre renovando suas forças”, de armas na mão.

Era a Confederação do Equador, um levante contra o autoritarismo de D. Pedro I liderado por Manoel de Carvalho, o distinto cavalheiro a quem ela fora apresentada da vez anterior.

Àquela altura, o porto do Recife estava bloqueado por uma esquadra comandada por um inglês, o almirante Thomas Cochrane, a serviço do imperador. E Lady Graham foi incumbida por este seu compatriota de convencer Carvalho a ser render, com todas as honras e proteção especial para sua família. O pernambucano a recebeu gentilmente, mas recusou a proposta, e ela se foi daqui lamentando a perda de vidas que se aproximava e lhe parecia inútil. E a Confederação acabou, de fato, derrotada, semanas depois.

EDUCAÇÃO NO BRASIL

Adiante, nos seus escritos, Maria Graham, que era muito culta, criticou a falta de refinamento das classes altas no País. “Encontrei dois ou três homens bem informados e algumas mulheres vivamente conversáveis”, ela anotou, “mas ninguém que me lembrasse as pessoas bem educadas da Europa”. Também qualificou o estado geral da educação de baixíssimo e foi até gentil (ou irônica?) ao anotar que “a quota de leitura de livros é escassa”.

No Pernambuco de 1821, a lady observou que o Seminário de Olinda e sua biblioteca estavam em decadência, após a derrota da Revolução de 1817. E que em toda capitania não havia um só livreiro e circulava apenas um jornal, o “Aurora Pernambucana”, patrocinado pelo governador Luís do Rego. “Toleravelmente bem escrito”, ele tinha como epígrafe uma estrofe de Camões: “Depois de procelosa tempestade / Noturna sombra e sibilante vento / Traz a manhã serena claridade / Esperança de porto e salvamento”.

Mas ela também não poupou seus conterrâneos. Sobre alguns comerciantes ingleses estabelecidos na Bahia, escreveu: “Nenhum sabia o nome das plantas que cercam a própria porta. Nenhum conhecia nada dez léguas além de Salvador. Fiquei desesperada com esses fazedores de dinheiro destituídos de curiosidade”.

Lady Graham morreu na Inglaterra, em 1842, deixando um importante e saboroso testemunho de como era nossa terra, naquele tempo, no seu “Diário de uma viagem ao Brasil”.

Recife sitiado

O cerco de 1821, visando a deposição do governador Luís do Rego, foi o quinto imposto ao Recife por tropas pernambucanas vindas do interior. O primeiro durou de 1630 a 1632, com a vila ocupada pelos holandeses que haviam invadido a capitania. Sem sucesso. O segundo, semelhante ao anterior, se estendeu de 1645 a 1654 (Restauração) e foi bem sucedido. O terceiro, no início da “guerra dos mascates”, em 1710, visava depor o governador Sebastião de Castro e também foi vitorioso, após alguns dias. Já o quarto, em 1711, na mesma guerra, contra os portugueses que haviam assumido o controle da vila, durou alguns meses e terminou sem perdedores nem vitoriosos.

Beleza perdida

As descrições das paisagens pernambucanas feitas por Lady Graham dão uma ideia do que perdemos. “Todas as vezes que passo por um bosque vejo plantas e flores novas, e uma riqueza de vegetação que parece inexaurível”, ela anotou. “Hoje vi flores de maracujá de cores que antes nunca observara: verdes, róseas, escarlates e azuis. Vi ananases de belo carmesim e púrpura, chá selvagem ainda mais belo do que o elegante arbusto chinês, palmeiras de brejo e inúmeras plantas aquáticas novas para mim. E, em cada lagoazinha, vi patos selvagens, frangos d´água e muitas variedades de marrecos nadando com gracioso orgulho”.

A bela terra de conflitos e escravidão

Texto: Paulo Goethe | Arte: Jarbas

Gervásio Pires Ferreira, um autêntico patriota

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Negociante muito rico, ele não se omitiu de participar da vida pública e penou bastante por isso

Gervásio Pires entrou para a História sem bater à sua porta. Foi convidado a entrar. Até 1817 ele cuidava apenas dos seus negócios, quando os revolucionários que assumiram o governo de Pernambuco lhe ofereceram o posto de diretor do Erário, uma espécie de ministro da Fazenda. E ele, muito lúcido e vivido, aos 52 anos, aceitou a incumbência, mesmo consciente de que aquele movimento — bem intencionado, porém amador — dificilmente daria certo. Por conta disso amargou quatro anos de prisão, na Bahia, após a derrota republicana.

Anistiado, em maio de 1821, em outubro ele já cumpria outra difícil tarefa. Em nome dos pernambucanos, novamente rebelados, negociou com o general português Luís do Rego a renúncia dele ao governo da capitania. E quando Rego partiu, Gervásio, o filho da terra mais capaz e preparado, além de um respeitado herói de 1817, foi aclamado presidente da chamada “Junta de Goiana”, e assumiu o comando local.

Seus problemas, contudo, estavam longe de acabar…

TEMPOS CONFUSOS

Nascido em 1765, filho de um rico comerciante luso, o garoto recifense foi estudar em Portugal com apenas onze anos de idade e ficou por lá, fazendo uma bela carreira no mundo dos negócios. Casou com uma aristocrata, D. Genoveva Perpétua de Jesus Caldas, e viveu em Lisboa até a chegada das tropas de Napoleão e a fuga do príncipe D. João e sua corte para Rio de Janeiro, em 1807.

Gervásio, então, voltou à terra natal e se estabeleceu como um dos maiores comerciantes do País — foi o primeiro brasileiro, por exemplo, a negociar diretamente com a Índia —, até a Revolução de 1817. Preso por subversão, ele ganhou, na Bahia, o apelido de “o mudo de Pernambuco”, pois não disse uma palavra na cadeia. Só recuperou a voz ao ser libertado, quatro anos depois, para logo assumir o governo da capitania e meter-se em mais encrencas.

A confusão, naquele tempo, era grande. Em Lisboa estavam reunidas as “Cortes”, uma assembleia de deputados de todo o Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves, que exigia mais democracia. E que, com apoio das tropas portuguesas, havia obrigado o agora rei D. João VI a voltar para Lisboa, mantendo-o como refém.

Antes de partir, porém, em abril de 1821, Sua Majestade nomeou seu filho Pedro regente do Brasil, à revelia das Cortes. E, mesmo sob pressão da guarnição lusa estacionada no Rio de Janeiro, o jovem príncipe tentava manter-se no cargo com apoio de alguns brasileiros, como José Bonifácio. Os quais, por sua vez, queriam tirar proveito da situação para separar nosso país de Portugal, com D. Pedro tornando-se rei.

Mas nem todos, aqui, pensavam o mesmo. Havia os que queriam a volta do antigo regime. Havia os que queriam manter a união com Portugal, sob uma monarquia constitucional. E havia os que queriam a independência e a proclamação de uma república — principalmente, os pernambucanos que haviam feito a Revolução de 1817.

UM GRANDE DILEMA

Gervásio Pires, um homem prático, acataria qualquer dessas propostas, exceto a volta do antigo regime. O importante, para ele, era que houvesse liberdade e fosse assegurada a autonomia administrativa das capitanias. E manter Brasil e Portugal unidos, com o rei submetido a uma constituição, lhe pareceu o melhor, a princípio.

O desengano, porém, foi rápido. Com seu país arrasado por séculos de má administração e pelas recentes décadas de guerras, os portugueses resolveram sangrar o Brasil. As Cortes decretaram a volta de antigos privilégios coloniais extintos com a mudança do rei para cá, em 1808. E logo, logo, a maioria dos brasileiros — inclusive, Gervásio — estava apoiando a independência.

Aí o problema passou a ser as tropas portuguesas estacionadas no Rio, na Bahia e em Pernambuco — onde, por exemplo, estava arranchado o famoso Batalhão Algarves.

Gervásio, porém, com muita habilidade e diplomacia, conseguiu mandar o Algarves embora sem grandes alterações, ao contrário do Rio e da Bahia, de onde as tropas lusas só saíram tempos depois, e com luta.

Então, chegou a hora de escolher entre monarquia ou república para o Brasil. E as duas opções lhe pareciam igualmente ruins.

Fogo monarquista ou frigideira republicana

O fato é que, com D. Pedro no lugar de D. João, nada mudou. As taxas e os tributos antigos, por exemplo, continuaram a ser cobrados. E o autoritarismo era o mesmo. A toda hora chegavam notícias de perseguições aos liberais, no Rio de Janeiro.

Por outro lado, a república fora aclamada em Pernambuco, em 1817, porque se apresentava como o único caminho para a liberdade. Mas ser livre e, ao mesmo tempo, preservar os velhos costumes, parecia o ideal, aos olhos do povo. Afinal, há trezentos anos os padres pregavam nas missas que o rei governava em nome de Deus etc. etc. E os ricos nunca simpatizaram muito com as “ideias francesas”: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

“Se é para ser escravo, prefiro sê-lo do meu rei do que do meu irmão”, era um ditado corrente entre os grandes proprietários.

Gervásio, então, ficou indeciso, e acabou sendo atropelado pela urgência dos fatos e a esperteza de José Bonifácio. O ministro de D. Pedro mandou para cá um agente que, com promessas de melhorias de vida e aumento de soldo para os militares, fez crescer o apoio popular à monarquia. Quando chegou ao Recife a notícia de que o príncipe, no dia três de junho de 1822, convocara uma assembleia nacional constituinte, as tropas e as massas saíram às ruas para comemorar. E, no dia 16 de setembro, o capitão Pedro da Silva Pedroso — outro herói da Revolução de 1817, que também esteve trancafiado na Bahia — derrubou a Junta de Goiana, presidida por Gervásio.

Formou-se, então, um governo provisório, a “Junta dos Matutos”, presidida por Francisco Gomes dos Santos, e Gervásio foi novamente preso e despachado daqui. Mandaram-no para o Rio de Janeiro, acusado de conspirar contra D. Pedro.

O navio que o levava, porém, fez escala em Salvador, ainda sob controle do general português Inácio de Melo Madeira. E ele acabou sendo desviado para Lisboa, agora acusado de tramar contra as Cortes. Só recuperou a liberdade um ano depois. E quando voltou presenciou mais um levante pernambucano — a Confederação do Equador, em 1824 —, contra o autoritarismo de D. Pedro que ele já temia, tempos atrás.

Desta vez, porém, Gervásio ficou de fora. Cansado, maltratado e sem ter recebido nenhuma reparação pelas perdas e transtornos sofridos, declarou-se aposentado da política.

Mais adiante, contudo, já sessentão, ele acabou sendo eleito deputado à Assembleia Legislativa Provincial e à Assembleia Geral, no Rio de Janeiro, à revelia. E, mais uma vez, não se negou a colaborar, organizando a Tesouraria de Pernambuco e contribuindo para a elaboração da Lei Brasileira do Orçamento e do Código do Processo Criminal.

Gervásio Pires morreu em 1838, tendo sido humildemente enterrado na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, como pediu. Hoje, dá nome a uma das principais ruas do Recife.

As juntas provinciais

Após o levante constitucionalista do Porto, em 1820, e o estabelecimento das Cortes, em Lisboa, passaram a ser criadas juntas governativas em substituição aos governadores nomeados por D. João VI, no Brasil. Nas províncias mais populosas, onde havia mais tropas, essas juntas eram controladas pelos militares portugueses. Somente nas províncias menos povoadas, como São Paulo, cuja capital era uma vila com sete mil habitantes, elas eram compostas por gente da terra. A exceção, como sempre, foi Pernambuco — umas das quatro grandes, ao lado do Rio, Minas e Bahia —, onde o governo foi formado por civis, mesmo estando aqui arranchado o Batalhão Algarve, veterano das guerras napoleônicas.

A malandragem portuguesa

Antes da chegada da maioria dos deputados brasileiros às Cortes, em Lisboa — os pernambucanos desembarcaram cedo —, os portugueses, em ampla maioria e com seu país mergulhado numa profunda recessão econômica, tentaram achacar o Brasil. Eles determinaram, por exemplo, que todos os navios zarpados daqui aportassem em Portugal, como nos tempos antigos. E também extinguiram os tribunais de última instância locais, obrigando quem tivesse pendengas jurídicas prolongadas a ir resolvê-las em Portugal, entre outras medidas semelhantes. Mas o que conseguiram, com isso, foi acelerar a nossa independência.

Manoel de Carvalho, um presidente

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Ele liderou Pernambuco na Confederação do Equador, em 1824, contra o autoritarismo de D. Pedro I

Manoel de Carvalho Paes de Andrade foi um dos seis conselheiros do governo republicano de Pernambuco, em 1817, e acompanhou de perto o dilema do general Domingos Teotônio nos últimos dias da Revolução. Com os portos bloqueados por uma esquadra portuguesa e um exército inimigo avançando pelo sul, Teotônio — que estava, então, no comando — se viu obrigado a fazer uma escolha dificílima: ou abaixar as armas, como queriam uns, ou retirar-se do Recife e prosseguir com a luta no interior, como queriam outros.

Sete anos depois, como presidente da província e líder da Confederação do Equador, Manoel de Carvalho enfrentou o mesmo impasse. Com as naus do almirante inglês Thomas Cochrane impedindo a navegação e as tropas do brigadeiro Francisco de Lima e Silva prestes a invadir o Recife, ele deveria render-se com honras, como lhe propôs o comandante do bloqueio naval, ou continuar pelejando pelo sertão adentro, como queria Frei Caneca?

Então ele pensou, pensou, pensou e fez a sua escolha…

PELA DEMOCRACIA

Rico proprietário, filho de uma tradicional família pernambucana, e membro da maçonaria, como a maioria dos homens esclarecidos da sua época, Manoel de Carvalho foi um radical defensor do republicanismo, em 1817. E um dos poucos líderes revolucionários que conseguiram escapar da morte ou da prisão. Ele se escondeu nas matas do seu Engenho Santana, em Jaboatão, até conseguir embarcar clandestinamente para os Estados Unidos, de onde retornou após a anistia, em 1821. E já em outubro daquele ano participou do movimento constitucionalista que expulsou o governador português Luís do Rego e implantou um governo autônomo em Pernambuco, a chamada “Junta de Goiana”, presidida por Gervásio Pires.

Então, o Brasil tornou-se independente, em setembro de 1822. E, em dezembro, no vai e vem da política, aquela junta foi derrubada e trocada por outra, a “dos Matutos”, sob a chefia de Francisco Gomes dos Santos. Que, um ano depois, foi substituída por uma terceira, dessa vez com Manoel na presidência. Aí começou a encrenca, pois o imperador D. Pedro I não aprovou a escolha do seu nome para ocupar aquele posto.

Usando uma prerrogativa concedida pela Assembleia Constituinte — formada por deputados de todo o País e reunida no Rio de Janeiro, em maio de 1823 —, Sua Majestade nomeou o morgado (herdeiro) do Cabo, Francisco Paes Barreto, para presidir Pernambuco. Mas os pernambucanos não estavam dispostos a voltar aos tempos em que o senhor rei mandava e desmandava, e não acataram essa intromissão nos seus assuntos internos.

Aquele gesto, porém, não resultou no rompimento com o Império. Uma monarquia constitucional ainda parecia ser a melhor opção. Até Frei Caneca havia posto de lado os ideais de 1817. “Quisemos uma república”, ele escreveu no seu jornal, “por ser a maneira de nos livrarmos da escravidão em que gemíamos. Mudaram, porém, as circunstâncias; achamos outro meio de ser felizes; e não há razão para pretendermos a execução daquele plano”. Ainda havia esperança de que seria encontrado um modelo político que satisfizesse a todos. Mesmo sabendo que o imperador vinha prendendo políticos liberais, proibindo a circulação de jornais e fechando lojas maçônicas, o que não anunciava nada de bom para o futuro da democracia no Brasil.

Aí, a bomba explodiu. Em novembro de 1823, D. Pedro I dissolveu a Constituinte pela força das armas e formou um conselho, sob sua chefia, para elaborar uma carta magna para o Brasil.

O BLOQUEIO

Revoltados, os pernambucanos, que “não haviam penado tanto para, no final, arrastarem os grilhões forjados por uns paulistas (José Bonifácio) e quatro peões do rei”, nas palavras de Frei Caneca, confirmaram Manoel de Carvalho como seu presidente, em janeiro de 1824. Em resposta, D. Pedro mandou para cá uma esquadrilha comandada por um inglês, o capitão John Taylor, com a missão de assegurar a posse do morgado do Cabo. E os portos da província foram bloqueados.

Com os canhões dessas naus apontando para o Recife, o imperador ainda teve o desplante de enviar, em março, o texto da constituição escrita por encomenda dele. Queria que o documento fosse aqui aprovado e jurado, como estava ocorrendo no resto do País. O que, naturalmente, foi recusado pelos pernambucanos.

Em junho, contudo, para surpresa e alegria geral, a esquadrilha de Taylor voltou para o Rio de Janeiro. Mas a animação durou pouco. Ela acabou quando se soube que o inglês fora chamado, às pressas, devido ao risco iminente de invasão do Brasil por um exército português. E a revolta cresceu ainda mais. Ora, estando todo o País ameaçado, o imperador cuidava de proteger apenas a Corte, deixando as outras províncias abandonadas?

Esse vai e vem das naus imperiais serviu, então, de estopim para mais um levante nesta província.

Um projeto político à moda norte-americana

Imediatamente surgiu a suspeita, quase a certeza, de que havia um acordo entre D. Pedro I e o pai dele, D. João VI, para que o norte do Brasil fosse entregue a Portugal em troca do reconhecimento da independência do sul. E, no dia três de julho de 1824, Manoel de Carvalho lançou um “manifesto e proclamação”, propondo a formação de uma confederação que reunisse todas as províncias brasileiras em torno de um projeto democrático e republicano. Só assim, segundo ele, se salvariam a liberdade, a honra e a soberania da Pátria, ameaçadas pelo imperador.

A monarquia, para Manoel, seria um sistema defeituoso na origem, e o Brasil deveria se constituir como nação seguindo as novas ideias do século, não copiando o velho modelo aristocrático europeu. Assim como nos Estados Unidos, onde treze colônias se uniram numa grande federação, cada província brasileira, livre, se tornaria um anel de uma cadeia invencível. E os sulistas deveriam imitar os valentes de Pernambuco, da Paraíba, do Ceará e do Rio Grande do Norte, que já estavam formando governos sob “o melhor de todos os sistemas”, o republicano.

A ameaça de invasão portuguesa, porém, logo se desfez, e o imperador voltou suas atenções para aquela rebelião. Além de tirar de Pernambuco a comarca do São Francisco, como castigo, ele enviou para cá outra esquadrilha e uma poderosa força terrestre.

No dia 12 de setembro de 1824, a Confederação do Equador agonizava. Das províncias aliadas, a Paraíba e o Rio Grande do Norte já haviam capitulado. Apenas o Ceará resistia. E as tropas imperiais, desembarcadas em Alagoas, estavam a ponto de invadir o Recife. Então, o presidente Manoel de Carvalho tomou, enfim, sua decisão: ele se refugiou com a família na corveta inglesa “Tweed”, e partiu novamente para o exílio.

Dessa vez ele foi para a Inglaterra, onde ficou até a abdicação de D. Pedro I, em 1831. Então voltou e retomou sua carreira política, presidindo novamente Pernambuco, em 1834, e depois se elegendo deputado geral (federal) e senador, até morrer ocupando esse posto, no Rio de Janeiro, em 1855.

Pernambuco esquartejado

Quando esta capitania foi criada, em 1534, o rei D. João III determinou que os seus limites fossem a ilha de Itamaracá, ao norte, e o rio São Francisco, ao sul, avançando pelo interior até a linha do Tratado de Tordesilhas. Não se sabia, na época, que o grande rio curvava para a esquerda, pouco antes da foz. Por isso, todas as terras à sua direita (no sentido foz/nascente), a chamada Comarca do São Francisco, com 133 mil quilômetros quadrados, foram pernambucanas, até D. Pedro I as transferir para Minas Gerais, em 1824, e depois para a Bahia, em 1827, como punição pela Confederação do Equador. Tal como o pai dele, D. João VI, havia dado autonomia à comarca de Alagoas, com 28 mil quilômetros quadrados, após a Revolução de 1817. Devido ao seu espírito democrático, portanto, os pernambucanos perderam 62% do seu território, passando dos 261 mil quilômetros quadrados originais para os 98 mil atuais.

O preço do inglês

Antes de capitular, Manoel de Carvalho ainda tentou subornar o almirante Cochrane, um mercenário a soldo do imperador. Chegou a oferecer 400 contos de réis, uma verdadeira fortuna, considerando que esse dinheiro, na época, era suficiente para adquirir uns dez bons navios. Mas o inglês pediu dois milhões e o negócio não pôde ser fechado.

Frei Caneca, pensador, poeta, herói brasileiro

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O menino que vendia pratos e canecas pelas ruas tornou-se um dos maiores líderes políticos do País

Em março de 1824, D. Pedro I enviou uma esquadrilha para bloquear o porto do Recife, comandada pelo mercenário inglês John Taylor. Assim, pretendia obrigar os pernambucanos a dar posse a Francisco Paes Barreto, nomeado por ele presidente da província, em vez de Manoel de Carvalho, escolhido pelo “senado” local (composto pelos vereadores das câmaras municipais). E, achando pouco o desaforo, o imperador também mandou para cá, em junho, o projeto de constituição para o Brasil que mandara preparar após ter dissolvido à força a Assembleia Constituinte, para ser avaliado e jurado. Os senadores, então, se reuniram para deliberar e pediram a Frei Caneca para dar seu parecer a respeito. E ele deu.

A constituição do monarca “peca pelo principal”, disse o frade, “pois não garante a independência do Brasil com a determinação e a dignidade necessária, e deixa uma fisga para se aspirar a reunião com Portugal”. Além do mais, “é a Nação que escolhe a forma de governo, e Sua Majestade não tem comissão dos brasileiros para isso”. Também acusou D. Pedro de querer impor sua vontade pela força, e concluiu: “por todas estas razões, sou de voto que se não se adote e muito menos se jure este projeto”. E o projeto foi unanimemente rejeitado.

Um mês depois era proclamada a Confederação do Equador…

O INTELECTUAL

Joaquim da Silva Rabelo nasceu em 1779, em Fora de Portas, um bairro modesto da periferia do Recife onde vivia a maioria dos artesãos portugueses — tal como seu pai, o funileiro Domingos Rabelo. Mas um dos seus bisavôs maternos teria se casado com uma índia e Joaquim, mais adiante, se orgulharia dessa ancestral brasileira — “que havia de ser alguma tapuia, petiguari ou tupinambá” —, embora não fosse dela, certamente, que ele herdara seus cabelos cor de fogo.

Naquele tempo, o único meio de um pobre ascender na vida era tornando-se militar ou religioso, e para estudar só entrando nas fileiras da Santa Madre Igreja. Pois sendo o menino extremamente inteligente, um tio, membro da ordem carmelita, conseguiu fazê-lo ingressar como noviço no Convento do Carmo aos dezessete anos. E ele ordenou-se em 1801, trocando o sobrenome Rabelo por Amor Divino, mas se tornaria conhecido pelo apelido que ganhou na infância, vendendo pelo Recife as panelas e canecas fabricadas pelo pai.

Dono de um “apetite enciclopédico” para o estudo, Caneca, ainda jovem, já ensinava Retórica e Geometria, além de produzir textos didáticos de grande erudição. E logo iniciou, também, uma extraordinária carreira política.

O TIMONEIRO

Ele frequentou o Areópago de Itambé, uma loja maçônica criada pelo monsenhor Arruda Câmara, em fins do século dezoito. Deu aulas no Seminário de Olinda, fundado em 1800 e o maior centro irradiador de ideias democráticas do País, na época. Participou da Revolução de 1817 como um dos secretários do Governo Provisório de Pernambuco, e por isso amargou quatro anos de prisão na Bahia. Anistiado, voltou e apoiou o movimento constitucionalista de 1821 (Convenção de Beberibe), que expulsou o governador português Luís do Rego e decretou a autonomia desta província, um ano antes do resto do Brasil. E a sua influência foi crescendo cada vez mais.

Mesmo jamais tendo saído da sua terra natal, exceto pela temporada na Bahia, Caneca tornou-se um dos homens mais cultos e um dos maiores pensadores políticos do País, além de um notável poeta. E juntando-se a isso muita coragem, energia, carisma e capacidade de comunicação, além de um grande amor pelo povo brasileiro, reuniram-se nele os ingredientes para formar um líder político como jamais se vira aqui.

Não foi à toa que ele batizou o jornal que publicava de “Typhis Pernambucano”. Typhis era o nome do piloto da mitológica nau dos argonautas, um grupo de heróis que cruzava os mares para cumprir missões perigosíssimas. E o menino que um dia mascateara pratos e canecas pelas ruas, tornou-se, de fato, o grande timoneiro desta província.

Um coração dividido entre Marília e a Pátria

Então, o capitão Taylor, comandante do bloqueio naval ao porto do Recife, foi chamado de volta para defender o Rio de Janeiro de um possível ataque português. E os pernambucanos, abandonados à própria sorte, concluíram que havia um acordo entre o imperador D. Pedro I e o rei D. João VI, pai dele, para que Portugal reconhecesse a independência do sul do País em troca da devolução do norte. Consequentemente, em julho de 1824, o presidente de Pernambuco, Manoel de Carvalho, com apoio de Frei Caneca, proclamou a Confederação do Equador, um projeto para o Brasil que tinha os Estados Unidos como modelo — ou seja, um conjunto de províncias autônomas, reunidas numa grande federação republicana.

Tal como na Revolução de 1817, a Paraíba e o Rio Grande do Norte aderiram rapidamente a essa proposta, e o Ceará também. Já nas Alagoas, um levante a favor foi sufocado.

Em Pernambuco, contudo, as coisas não foram fáceis. Os confederados, que controlavam o Recife, tiveram muitas dificuldades com os proprietários do interior, revoltados com a suspensão do tráfico de escravos decretada por Manoel de Carvalho. Além, é claro, da oposição feita pela grande e influente colônia portuguesa.

Em agosto, recomeçou o bloqueio naval, dessa vez sob o comando do almirante inglês Thomas Cochrane. E, em setembro, uma grande força terrestre, liderada pelo brigadeiro Lima e Silva, atacou o Recife, que caiu após cinco dias de combate.

Manoel de Carvalho, então, asilou-se numa nau inglesa. Mas Caneca partiu para o Ceará, que ainda resistia, à frente de uma coluna militar. E por dois meses vagou pelos sertões, perseguido pelas tropas imperiais, até ser capturado.

Sua rendição foi facilitada porque lhe garantiram que o imperador trataria os rebeldes com clemência, uma promessa jamais cumprida. Ele foi trazido para o Recife andando a pé, numa marcha forçada de dezoito dias, e o meteram num “segredo” — um cubículo minúsculo, fechado por uma porta de ferro — que antes servia de armário para guardar as cabeças dos enforcados, no Forte das Cinco Pontas.

Sumariamente julgado — na verdade, já previamente condenado por D. Pedro —, o carmelita foi executado no dia 13 de janeiro de 1825. Mas era tão querido do povo que precisou ser fuzilado, pois três carrascos, sucessivamente, negaram-se a enforcá-lo.

A despeito de ser frade, Caneca tinha mulher e três filhas, Carlota, Joaninha e Aninha, além de Fortunato e Joaquim Teodoro, órfãos de revolucionários de 1817 que adotara como seus filhos, e amava sua família com fervor. Porém, mesmo sabendo do risco que corria de ser morto e perdê-la, jamais vacilou na sua luta pelo bem comum.

“Entre Marília e a Pátria coloquei meu coração”, ele escreveu certa feita, numa das suas quadrinhas mais famosas, “a Pátria roubou-m’o todo, Marília que chore em vão”. Hoje, é mais um pernambucano cujo nome está inscrito no “Livro dos Heróis”, em Brasília.

A constituição do imperador

A carta outorgada por D. Pedro I, em 1824, determinou a criação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, típicos dos sistemas democráticos. Mas também instituiu um quarto poder, o Moderador, que, exercido por Sua Majestade, se sobrepunha aos outros três. As eleições continuaram a ser duplamente indiretas — os eleitores das paróquias votavam nos chamados eleitores da província que, por sua vez, escolham os deputados e senadores. E aptos para participar das eleições estavam apenas os homens livres com mais de 25 anos de idade e uma renda mínima de cem mil réis anuais. Pobres, jovens, mulheres e escravos não possuíam direito algum.

As propostas de Frei Caneca

O carmelita defendeu, nas suas “Bases para a formação de um pacto social”, que qualquer cidadão brasileiro pudesse manifestar seus sentimentos e opiniões sobre qualquer assunto, sem ser perseguido por isso; que a liberdade de imprensa não pudesse jamais ser suspensa, nem mesmo limitada; que o Estado deveria prover instrução elementar gratuita para todos; e que todos deveriam gozar, igualmente, dos mesmos direitos perante a Lei. E por tentar fazer valer, de fato, essas propostas, o imperador mandou matá-lo.

Pedro da Silva Pedroso, o Pardo do Recife

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Soldado valente e abolicionista radical, ele tentou fazer do Brasil um país só de negros e mulatos

Em maio de 1817, no comando do Forte de Cinco Pontas, no Recife, o coronel Pedro Pedroso aguardava a chegada de um exército inimigo, que vinha da Bahia para botar abaixo a república proclamada em Pernambuco, dois meses atrás. Porém, o general Domingos Teotônio — então, à frente das tropas pernambucanas — decretou a retirada do Recife e ele não chegou a entrar em combate.

Em setembro de 1824, a situação se repetiu: Pedroso estava novamente pronto a lutar pelo Recife. Dessa vez, contudo, do lado oposto, marchando na armada despachada do Rio de Janeiro pelo imperador Pedro I contra mais um movimento libertário, lançado por antigos revolucionários de 1817: a Confederação do Equador. Mas ele não se achava um traidor, pois o seu projeto político era outro, acima e além da pendenga entre monarquistas e republicanos…

O PARTEIRO

“Negro, em festa de branco, é o primeiro que apanha e o último que come”. Nesse ditado popular se resumia toda a ideologia do “Pardo do Recife”, como Pedro Pedroso apelidara a si mesmo. A causa pela qual lutava era, em primeiro lugar, a sua gente, os pretos e mulatos escravizados ou livres, mas sempre desvalidos. E, em segundo lugar, os seus interesses pessoais, é claro, que ele também estava longe de ser santo — um São Benedito, se fosse o caso; mas, seguramente, santidade não era o seu forte.

Pobre, semiletrado, porém muito inteligente, enérgico e valente, ele abriu caminho na vida à custa do próprio esforço. Alistou-se como praça no regimento de Artilharia e chegou a capitão, o posto máximo que um mulato brasileiro podia aspirar no exército português. Tornou-se conhecido, respeitado, amado e temido no meio do povo. E, além de ser o xodó das escurinhas, também arrancava suspiros de muitas brancas “de família” que, por trás das gelosias, o viam passar pelas ruas, alto, bonito, elegante, com suas longas costelas e fartos bigodes, sempre montando cavalos magníficos.

No dia seis de março de 1817, Pedroso serviu de “parteiro” da Revolução. Quando o capitão José de Barros Lima — o “Leão Coroado” — recusou a ordem de prisão dada pelo brigadeiro português Manoel Barbosa e o matou, foi ele que tirou a espada ensanguentada das mãos do camarada para, empunhando-a, assumir o comando do Regimento de Artilharia do Recife. E, em seguida, proclamou o início do levante, logo apoiado pelos recifenses e depois por todo Pernambuco, pela Paraíba e pelo Rio Grande do Norte. Além disso, foi ele que, naquele dia, sem titubear, mandou fuzilar o coronel Tomás de Aquino, enviado pelo governador português Caetano Pinto para parlamentar com os militares rebelados, assim acabando com qualquer possibilidade de recuo do movimento.

DISCRIMINAÇÃO

Também foi Pedroso que, dias depois, já instalado o Governo Provisório de Pernambuco, invadiu a sala onde os cinco governadores estavam reunidos e ameaçou de morte um deles, o advogado José Luís Mendonça. Assim, forçou Mendonça a retirar uma proposta de buscar acordo com o príncipe D. João, que estava prestes a ser aprovada. Foi ele, ainda, que, com muita luta, conseguiu arrancar daquele governo o primeiro ato abolicionista já decretado no Brasil, concedendo alforria aos escravos que se alistassem no exército. E foi ele que, pessoalmente, treinou a primeira tropa de cativos assim libertos.

Finalmente, foi Pedroso que mais insistiu para que os inimigos da Revolução fossem tratados com rigor. Para dar exemplo ele até mandou, por conta própria, fuzilar três desertores da tropa em praça pública. Mas os governadores não o escutaram — foram frouxos, em sua opinião —, o movimento foi derrotado e o seu desencanto começou.

Com dezenas de outros patriotas, Pedroso foi preso e despachado para a Bahia, e lá sentiu a discriminação doer ainda mais, porque partia dos seus próprios companheiros. Os negros eram, de fato, os primeiros a apanhar e os últimos a comer, e não apenas nas festas dos brancos, mas até na cadeia, junto com eles!

Então ele perdeu o pouco respeito que ainda tinha pelos republicanos. Estes seriam até piores que os outros brancos, porque iludiam os pretos com falsas promessas. Ora, se eles praticassem a liberdade, a igualdade e a fraternidade que pregavam, a escravidão não teria cessado nos Estados Unidos quando aquele país ficou independente, em 1776? E por que ela não fora extinta nas colônias francesas, após a Revolução de 1789? Certos, para ele, estavam os negros do Haiti que, em 1804, mataram ou expulsaram todos os “caiados” daquela ilha!

Pela República em 1817 e contra ela em 1824

Após a anistia de 1821, mais segregação. Pedroso não foi libertado com os outros e sim enviado para Portugal, acusado de mandar matar o coronel Aquino. Mas foi perdoado e voltou para sua terra. E aqui estava, em fevereiro de 1822, quando foi procurado por Antônio de Menezes Drummond, agente do ministro José Bonifácio, que andava às turras com Gervásio Pires, então presidente de Pernambuco. Na época, Bonifácio defendia que o Brasil proclamasse a independência de Portugal e se tornasse um império, regido pelo príncipe D. Pedro. Mas Gervásio temia que, indo por esse caminho, o resto do país continuasse sendo oprimido e explorado pela corte do Rio de Janeiro, e vacilava em apoiar essa proposta.

Drummond não teve dificuldade em ganhar Pedroso para a sua causa com promessas de melhorias de vida para o povo e aumento de soldo para os militares. Então, com o prestígio popular que tinha, o Pardo agitou as tropas e as massas. E, em setembro, derrubou o governo de Gervásio, sendo premiado com o comando das tropas de Pernambuco.

Mas o novo governo, a “Junta dos Matutos”, formado por senhores de terras e escravos, também não nutria grande simpatia pelas causas abolicionistas e populares. E o Pardo, achando que as circunstâncias lhe eram favoráveis, resolveu dar um passo à frente. Ele sublevou o 3º e 4º regimentos, os “Bravos da Pátria” e os “Montabrechas”, formados por negros e mulatos, respectivamente, e no dia 21 de fevereiro de 1823 o Recife foi tomado pela malta de pele escura, dando vivas ao Haiti e recitando uma quadrinha que anunciava o fim de todos “marinheiros” (portugueses) e “caiados” (brancos) no Brasil.

A “Pedrosada”, porém, foi abafada, e Pedroso despachado para o Rio de Janeiro. E lá estava preso quando os pernambucanos rebelaram-se mais uma vez, em 1824, na Confederação do Equador. Então, sabendo da liderança que ele exercia sobre o povo pobre daquela província, D. Pedro I lhe ofereceu anistia e o comando das tropas de volta, em troca do seu apoio. E o Pardo do Recife aceitou participar de mais uma “festa de brancos”, ainda com a esperança de que um dia, no Brasil, os pretos e mulatos fossem os últimos a apanhar e os primeiros a comer. E nessa expectativa viveu até morrer de velhice, no Rio de Janeiro.

Matuto X Matuto

Em 1822, ano da independência e de muitas disputas políticas no Brasil, a “Junta dos Matutos”, que governava Pernambuco, se dividia em duas alas. De um lado, os senhores de engenho da Mata Sul, liderados pelo morgado (herdeiro) do Cabo, Francisco Paes Barreto, que não se opunham a um regime monarquista autoritário como o que se anunciava com o imperador Pedro I. Do outro, os plantadores de algodão da Mata Norte, tendo à frente Francisco Gomes dos Santos, que queriam mais liberdade e autonomia para as províncias. E Pedro Pedroso, que já havia derrubado a Junta anterior, presidida por Gervásio Pires, tentou tirar proveito disso sublevando soldados pretos e mulatos do Recife, na “Pedrosada”, mas foi batido pelas milícias do morgado.

Pretos X Mulatos

O exemplo do Haiti, onde os negros expulsaram os brancos no início do século dezenove, repercutiu fortemente nas Américas. E, especialmente, em Pernambuco. A “Pedrosada”, em 1823, foi um exemplo disso. Mas houve outro levante parecido em 1824, no Recife, durante a Confederação do Equador. Quem o puxou foi um mulato, o major Emiliano Mundurucu, comandante do regimento “Montabrechas”, formado por pardos. Curiosamente, esse movimento foi abafado pelo major Agostinho Bezerra, comandante do regimento dos “Henriques”, formado por negros.


Joaquim Nunes Machado, um corajoso reformista

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Ele queria reformas na paz, mas virou líder da Revolução Praieira e pagou um alto preço por isso

Os pernambucanos costumavam brilhar na Câmara dos Deputados, durante o Império, e Joaquim Nunes Machado era o que mais se destacava, em 1848. Então, em novembro daquele ano, chegou ao Rio de Janeiro a notícia de que estava prestes a rebentar mais uma revolução em Pernambuco, desta vez promovida pelo “Partido da Praia”, ou “Praieiro”, do qual ele era membro. E Joaquim, que não concordava com luta armada para resolver problemas políticos, declarou que, por enquanto, não voltaria para na sua terra. Porque, se voltasse, seria morto.

Instado, porém, pelos amigos, e ferido em seu orgulho ao ser acusado de covarde e traidor, o deputado acabou voltando, para ajudar a restabelecer a paz. Mas, logo ao desembarcar, reafirmou: “Eu anunciei que vinha para ser vítima. Pois bem, vou sê-lo”.

Três meses depois, Joaquim já abandonara seus propósitos pacifistas e, em fevereiro de 1849, estava metido numa grande operação militar, visando derrubar o governador Manoel Tosta. Ele liderava uma coluna rebelde, vinda do interior, que atacava o Recife pelo norte, enquanto outra tropa avançava pelo sul. Mas, aí, surgiu um problema.

A coluna de lá marchava bem e já havia ocupado o bairro de São José. A dele, porém, esbarrara numa resistência inesperada, no Largo da Soledade. Então, deixando suas premonições de lado, Joaquim se pôs à frente dos homens e deu ordem de avançar a qualquer custo…

PARTIDOS DA ÉPOCA

Nascido há 39 anos numa família tradicional de Goiana — historicamente, a vila mais rebelde da província, depois do Recife —, o deputado só havia pegado em armas uma vez na vida. Em 1831, ainda estudante de Direito, em Olinda, ele se engajara no Batalhão Patriótico e combatera a “Setembrada”, um levante de soldados rasos e escravos que durou três dias. Só dezoito anos depois voltou a combater, como um dos líderes do Partido Nacional de Pernambuco, popularmente conhecido como “Praieiro”.

Fundado em 1842, esse partido era uma dissidência pernambucana do Partido Liberal, apelidado de “Luzia”, que se alternava no poder, nacionalmente, com o Partido Conservador, ou “Saquarema”. E os conservadores, aqui, eram apelidados de “guabirus” ou de “baronistas”, porque seu líder era o Barão da Boa Vista.

Enfim, “baronistas” ou “guabirus” de um lado, “praieiros” do outro. Nesses dois blocos, grosso modo, se dividia a política local. Mas ainda havia alguns conservadores que não eram guabirus e liberais que não eram praieiros, afora uns poucos “cabanos” — agitadores exaltados, como o jornalista Borges da Fonseca — e socialistas moderados como Antônio Figueiredo, editor da revista “O Progresso”, o engenheiro francês Louis Vauthier e o general Abreu e Lima.

REFORMAS NA ORDEM

Juiz de direito por profissão e político por vocação, o praieiro Joaquim Machado defendia mudanças no País para melhorar a sorte da imensa maioria que penava com o desemprego, a fome e as injustiças. Ele não aceitava que todas as manufaturas aqui consumidas fossem importadas; que o comércio estivesse em mãos de estrangeiros e os brasileiros não conseguissem sequer se empregar como caixeiros das lojas; e que os pequenos lavradores não pudessem plantar nem uma rocinha para dar de comer às suas famílias, porque todas as terras — na maior parte, improdutivas — já tinham donos.

O sistema político também carecia de grandes reparos porque, sendo este um país rural, era no campo que vivia a maioria dos eleitores. E lá mandavam e desmandavam os grandes proprietários, que elegiam quem queriam, nomeavam juízes e delegados e tinham absoluto desprezo pela Lei. Por isso explodiam rebeliões em toda parte, pelo Brasil afora.

Joaquim, porém, abominava a violência e tentava promover reformas em paz. Ele apresentara, por exemplo, um projeto — não aprovado — determinando que o comércio a retalho se tornasse privativo dos brasileiros. E, para seu desgosto, via a situação se agravando cada vez mais — principalmente na sua terra, tradicionalmente rebelde e vivendo um momento excepcional.

Ora, quando os saquaremas (conservadores) foram apeados do poder no País, nas eleições de 1845, e os luzias (liberais) assumiram, o deputado baiano Antônio Chichorro da Gama fora nomeado presidente de Pernambuco. E começara, então, o tempo de ouro da Praia.

A opressão uniu praieiros “novos” e “velhos”

Juízes, delegados e outros funcionários guabirus foram substituídos por praieiros, naquela província. A polícia pôde entrar nos engenhos para prender criminosos lá acoitados, numa verdadeira afronta aos “direitos” seculares dos proprietários. E a imprensa agitou como nunca, exigindo mudanças profundas. Em consequência, aumentaram os conflitos entre ricos e pobres, alarmando muita gente em todo o País — inclusive, os liberais moderados, como Joaquim.

Três anos depois, contudo, o Partido Liberal perdeu as eleições. Então, o pernambucano Pedro de Araújo Lima, futuro Marquês de Olinda, muitíssimo conservador, assumiu o comando do ministério e nomeou para a presidência de Pernambuco um deputado paraense, Herculano Ferreira Pena. E quando o novo presidente começou a perseguir os adversários e a sacá-los dos seus postos no governo, a encrenca começou, pois a volta da antiga ordem era inaceitável para os praieiros.

Para piorar as coisas, Herculano Pena foi trocado pelo baiano Manuel Vieira Tosta, Marquês de Muritiba, ainda mais despótico que o antecessor, em dezembro de 1848. E os praieiros, até aí divididos em novos (exaltados) e velhos (moderados), se uniram e montaram um governo alternativo, com sede em Água Preta. De lá partiu a tropa que tentou tomar o Recife de assalto, para depor o governador, no dia dois de fevereiro de 1849. E já estava perto de atingir seu objetivo quando a previsão de Joaquim se cumpriu, no Largo da Soledade.

A bala de mosquete atingiu a cabeça do deputado “na região temporal direita”, segundo o médico que o autopsiou, “interessando o músculo e o osso respectivos e a massa cerebral, com profundidade de seis polegadas”, e não “lhe resultou imediatamente na morte”, apenas. Os combates, até aí muito violentos, foram suspensos quando ele tombou. E o ataque frustrado consolidou o governo de Vieira Tosta, determinando o fim da revolução, após alguns meses de resistência no interior.

O corpo de Joaquim foi deixado pela tropa em retirada na Igreja de Belém, na Encruzilhada. E no dia seguinte o chefe de polícia, Jerônimo Figueira de Melo, foi buscá-lo, acompanhado por um grande cortejo popular, silencioso e triste.

“Muitos cidadãos se arrojavam à rede em que vinha para o reconhecerem e se lastimarem”, escreveu Figueira, anos depois. E “o retrato de Nunes Machado multiplicou-se em milhares de cópias ou de estampas, e ainda hoje se vê conservado em muitas casas, principalmente sob o teto modesto ou pobre de gente do povo”.

Luzias e saquaremas

Os conservadores foram apelidados de “saquaremas” porque o Visconde de Itaboraí possuía uma fazenda nas margens da Lagoa de Saquarema, no Rio de Janeiro, onde os líderes do seu partido costumavam se reunir. Em 1842, eles perderam a maioria das vagas de deputados nacionais nas chamadas “eleições do cacete”, mas conseguiram anular o pleito. Então, os liberais mineiros e paulistas se revoltaram e marcharam em armas para o Rio, sendo detidos pelo Barão de Caxias numa batalha travada em Santa Luzia do Rio das Velhas, em Minas Gerais. Aí ganharam o apelido de “santa luzias” ou, simplesmente, “luzias”.

Praieiros e guabirus

O apelido “praieiro” provinha do fato de o “Diário Novo”, principal porta-voz do Partido Nacional de Pernambuco, ter sua sede na Rua da Praia, no bairro de São José, no Recife. Este jornal, por sua vez, ganhara este nome porque surgira para fazer contraponto ao “Diário Velho”, o Diario de Pernambuco, fundado em 1825 e porta-voz dos conservadores. Na Rua da Praia também havia lojinhas que vendiam miudezas para a gente pobre; assim, “praieiro” significava, ainda, “um membro do clube dos mulambos”, numa expressão da época. Já os conservadores pernambucanos, famosos pelos desvios de dinheiro público, eram chamados de “guabirus” porque seriam como ratos, “ladrões sorrateiros dos cofres governamentais”.

Pedro Ivo, herói e mito da Revolução Praieira

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De armas na mão, ele lutou pelos direitos de todos ao trabalho e à cidadania, e nunca foi derrotado

Para Álvares de Azevedo, “Era um leão sangrento que rugia / Da glória nos clarins se embriagava / E vossa gente, pálida, recuava / Quando ele aparecia”. E sobre a sua morte misteriosa e o sepultamento no mar, Castro Alves versejou: “Que importa se o túmulo ninguém lhe conhece? / Não tem epitáfio, nem leito, nem cruz? / Sua cova é o peito do vasto universo / Do espaço, por cúpula, as conchas azuis”. E ainda: “Mas contam que um dia rolara o oceano / Seu corpo, na praia, que a vida lhe deu / Enquanto na glória rolava sua alma / Nas margens da História, na areia do céu”.

Não é pouco receber homenagens como essas, de tão grandes poetas. Mas o capitão Pedro Ivo Veloso da Silveira fez por merecê-las…

CAUSAS DA REVOLTA

Pedro Ivo nasceu em Olinda, em 1811, filho de um coronel, e viu muitas insurreições populares rebentarem em Pernambuco durante a sua infância e juventude. Como soldado, chegou a ser enviado ao Pará para combater uma delas, a Cabanagem, em 1835. E acabou se tornando o grande herói de outra, a Revolução Praieira, em 1848.

Uma das maiores causas das revoltas, então, era o desemprego. “Tudo nos vem de fora, sapatos, cômodas, cadeiras, calças e jaquetas”, protestava a “Folhinha de Algibeira”, em 1844, contra a importação irrestrita de manufaturas que impedia o desenvolvimento de uma indústria nacional. E o comércio também era monopolizado por estrangeiros. Dos setenta atacadistas então estabelecidos no Recife, menos de um terço eram brasileiros, e as seis mil casas retalhistas pertenciam principalmente a portugueses, que sequer contratavam caixeiros nativos, “só restando aos nossos jovens o mesquinho recurso dos empregos públicos ou a áspera vida de soldado” segundo a “Folhinha”.

Outro motivo de agitação eram os latifúndios que impediam o acesso dos pequenos agricultores à terra e o poder ilimitado dos grandes proprietários. A família Cavalcanti de Albuquerque, por exemplo, chegou a ser dona de uma terça parte de Pernambuco e a ter três senadores no Rio de Janeiro. Fatos que inspiraram o poeta Jerônimo Vilela a compor a famosa quadrinha “Quem viver em Pernambuco / Deve ser desenganado / Pois há de ser Cavalcanti / Ou há de ser cavalgado”.

PRIMAVERA POPULAR

Encontrar saídas pacíficas para aquela situação também não era fácil. Até 1837, sequer havia partidos políticos atuantes em todo o País, apenas linhas de pensamento que se articulavam através de associações públicas, como a Militar, ou secretas, como a Maçonaria. Só naquele ano surgiu o Partido Conservador, ou “Saquarema”, que veio “para frear o carro revolucionário”, nas palavras de um dos seus fundadores. E, em seguida, nasceu o Partido Liberal, logo chamado de “Luzia” — um pouco mais democrático, porém, na verdade, a outra face da mesma moeda. Quem mandava em ambos eram os cafeicultores, responsáveis por mais de 40% das exportações brasileiras, e os barões do açúcar, responsáveis por mais de 20%. E como dizia o deputado pernambucano Holanda Cavalcanti, “nada mais parecido com um saquarema do que um luzia quando está no governo”.

Na terra de Pedro Ivo, por exemplo, o Partido Conservador era controlado pelos Rego Barros e o Liberal pelos Cavalcanti de Albuquerque — famílias, inclusive, aparentadas entre si —, até que, em 1842, surgiu o Partido Nacional de Pernambuco, logo chamado de “Praieiro”, pois a sede do seu principal jornal, o “Diário Novo”, ficava na Rua da Praia. Fruto de uma dissidência dos liberais, ele juntava bacharéis, comerciantes, religiosos, militares e alguns proprietários em defesa de reformas, ganhando rapidamente um grande apoio popular. E o jovem capitão Pedro Ivo aderiu com entusiasmo.

Em 1844, os praieiros experimentaram o gosto do poder quando os liberais fizeram maioria na Assembleia Nacional e o baiano Chichorro da Gama foi nomeado presidente de Pernambuco. Em 1848, contudo, os “guabirus” conservadores voltaram com a corda toda, trocando juízes e delegados por gente sua e perseguindo os adversários políticos. Um retrocesso difícil de aceitar, principalmente quando sopravam da Europa os ventos da “primavera dos povos”.

Lá, naquele ano, várias nações se levantaram contra a dominação de outras. E, em Paris, as massas proletárias ergueram barricadas nas ruas, derrubaram o imperador e implantaram a Segunda República francesa, enchendo de esperanças os peitos de jovens idealistas daqui, como Pedro Ivo e seus camaradas.

O resultado só poderia ser a luta armada.

Um homem sozinho desafiando um império

Divididos, até então, em duas alas, uma mais moderada e pragmática e outra mais radical e sonhadora, os praieiros acabaram se unindo após a chegada, em dezembro, de um novo e implacável presidente para a província, o baiano Manoel Vieira Tosta. E homens até então sisudos e pacíficos como o advogado Jerônimo Tavares, o deputado Joaquim Nunes Machado e o padre Francisco de Faria acabaram partindo para a briga ao lado de radicais como João Roma, Henrique Lucena, João Paulo Ferreira e Leandro Cezar, com apoio de alguns proprietários e do povo em geral.

Em janeiro de 1849, os praieiros lançaram o seu “Manifesto ao Mundo”, exigindo voto livre e universal, liberdade de imprensa, garantia de trabalho e o fim do Poder Moderador, que dava ao imperador autoridade sobre os outros poderes, além da convocação de uma assembleia nacional constituinte. Eles estabeleceram sua sede em Água Preta e começaram a travar combates com os guabirus, no interior, até que no dia dois de fevereiro, audaciosamente, atacaram o Recife. Mas o assalto foi detido após o deputado Joaquim Nunes Machado ser morto com um tiro na cabeça, no Largo da Soledade. E, nos meses seguintes, o movimento foi perdendo impulso, com seus líderes se entregando ou sendo capturados, um a um.
Menos Pedro Ivo.

Como “um leão sangrento que rugia”, o valente capitão continuou pelejando à frente um corpo de guerrilha, embrenhado nas matas de Água Preta. E, rapidamente, tornou-se uma lenda que correu o País — um homem enfrentando o Império sozinho, batendo todas as tropas enviadas contra ele!

Sem conseguir derrotá-lo — pelo contrário, sendo humilhado a cada tentativa —, o governo, enfim, lhe prometeu indulto, se baixasse as armas. E, convencido por seu pai, Pedro Ivo apresentou-se na Bahia. Porém, em vez anistiado, foi traiçoeiramente levado para o Rio de Janeiro e trancafiado no Forte da Laje.

Mas o leão não ficou enjaulado. Com ajuda de seus irmãos maçons, fugiu da prisão, em abril de 1851, e após algum tempo embarcou clandestinamente para a Europa no navio “Vesúvio”, de bandeira italiana. Contudo, faleceu durante a viagem, súbita e estranhamente, e seu corpo foi lançado ao mar, em março de 1852. Hoje, é nome de rua no Rio de Janeiro, Florianópolis, Curitiba e Recife, entre outras cidades. E sua alma vive na glória, “nas margens da História, na areia do céu”.

Tempos agitados

A Revolução Praieira foi o último dos quatro movimentos libertários de grande expressão política ocorridos em Pernambuco na primeira metade do século dezenove — os outros foram a Revolução de 1817, a Convenção de Beberibe, em 1821, e a Confederação do Equador, em 1824 —, afora diversos levantes populares como a Pedrosada, a Setembrada, a Abrilada, a Cabanagem, a Guerra dos papa-méis etc. Enquanto isso, pelo Brasil afora aconteciam a Farroupilha, no sul; a Sabinada e a Revolta dos Malês, na Bahia; a Balaiada, no Maranhão; a Cabanagem, no Pará etc.

A “primavera dos povos”

Os eventos políticos de 1848, na Europa — ano da publicação do “Manifesto Comunista” de Karl Marx —, tiveram grande repercussão em Pernambuco. Para a revista “O Progresso”, publicada no Recife, “o movimento europeu produziu um grande bem ao Brasil porque mostrou a facilidade com que são derrubados os governos que se afastam da nação e menosprezam os clamores do povo”. E o jornal “A Reforma”, por sua vez, publicou o seguinte “Anúncio”, no dia onze de agosto de 1848: “A Reforma adere à declaração proclamada pela jovem república francesa (…), concebida nos seguintes termos: O governo deve a todo cidadão instrução gratuita, meios de subsistência e socorro nos casos de velhice e de moléstia”.

Barão da Boa Vista, o reformador do Recife

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Progressista no urbanismo, mas conservador na política, ele sem querer provocou a Revolução Praieira

O Barão acordou com uma zoadeira danada, na manhã do dia dois de fevereiro de 1849. Do seu palacete na Rua da Aurora, à beira do Capibaribe, ele ouvia uma grande fuzilaria ocorrendo nas imediações do Palácio do Governo, em frente, na margem oposta do rio. E de trás vinham os ruídos de outro tiroteio, a uma distância um pouco maior, talvez no Largo da Soledade. Mas, ainda assim, perigosamente próximo.

O ataque dos “praieiros” pegou os recifenses de surpresa. Inclusive o Barão. Há um mês aqueles rebeldes lutavam contra o presidente de Pernambuco, o conservador Manoel Vieira Tosta. Mas os ataques das suas milícias, formadas por pobres matutos, se restringiam ao interior. Então, o general José Joaquim Coelho, comandante das tropas do governo, resolveu acabar com aquela pendenga de uma vez por todas. Porém, foi só ele se afastar da capital, com a maior parte dos seus homens, para dois bandos de figuras maltrapilhas, vestidas apenas de ceroulas e camisa e portando espingardas velhas, cordas e machadinhas, surgirem do nada, uma pelo norte e outra pelo sul, ameaçando a vida e os bens da classe rica, no Recife.
Precavido, o barão mandou preparar uma lancha e mantê-la a postos, no atracadouro em frente ao sobrado. Se necessário, ele buscaria asilo em algum navio fundeado no porto, com a sua família. Mas, subitamente, fez-se um estranho e inesperado silêncio sobre as águas do Capibaribe…

PARIS TROPICAL

Filho de uma das mais tradicionais famílias pernambucanas, Francisco do Rego Barros nasceu em 1802, no Engenho Trapiche. Aos quinze anos, em 1817, sentou praça como cadete no Regimento de Artilharia do Recife. E, em 1821, meteu-se no Movimento Constitucionalista, contra o governador português Luís do Rego, sendo por isso preso e enviado para Lisboa, onde passou dois anos, aferrolhado. Posto em liberdade, ele seguiu para a França e bacharelou-se em matemática pela Universidade de Paris.

De volta ao Brasil, ajudou a fundar o Partido Conservador, apelidado de “Saquarema”, tornando-se seu líder máximo em Pernambuco. E com apenas 35 anos, em 1837, foi nomeado presidente desta província, cargo que ocupou até 1844; ganhando, ainda, do imperador D. Pedro II, em 1841, o título de Barão da Boa Vista.

Os cinco primeiros anos do seu governo foram de navegação em águas calmas, pois o Partido Liberal, ou “Luzia”, que deveria lhe fazer oposição, era aqui dominado pelos Cavalcanti de Albuquerque, ligados a ele tanto por interesses políticos quanto por laços de família. Afinal, este era o sobrenome da sua mãe, dona Mariana, e da sua mulher, dona Ana Maria. E reinando absoluto à frente dessa todo-poderosa aliança, o Barão, que era metódico, trabalhador e preparado, dedicou-se às reformas urbanísticas.

A capital pernambucana carecia de serviços de água e esgotos, e de logradouros e prédios públicos; o porto e as pontes pediam melhorias; a maioria das ruas não tinha calçamento. E ele, que era um apaixonado pela “cidade-luz”, decidiu fazer do Recife uma Paris tropical, para isso mandando buscar na França uma equipe chefiada pelo engenheiro Louis Vauthier, e encarregando-a da realização de muitas obras.

Foi uma intervenção de grandíssimo porte, só comparável àquela feita por Maurício de Nassau, dois séculos atrás. Mas, como tudo tem um preço, o custo da sua ousadia, nesta terra de gente historicamente inquieta e turbulenta, fora o crescimento da revolta nos meios populares.

PREÇO DAS OBRAS

Ora, no plano nacional, o Partido Conservador era acusado de conivente com o monopólio do comércio pelos estrangeiros, com os latifúndios improdutivos e com o poder excessivo dos grandes proprietários. E em Pernambuco, além disso, choviam as denúncias de desvio de recursos das obras em andamento, a ponto de os conservadores locais, comandados pelo Barão, serem apelidados de “guabirus” — ou seja, ratos, “ladrões sorrateiros dos cofres públicos”.

Como resultado, surgiu, em 1842, o Partido Nacional de Pernambuco — uma dissidência local do Partido Liberal, aqui controlado pelos Cavalcanti de Albuquerque. Formado por padres, militares, comerciantes, advogados etc., e apelidado de “praieiro” porque seu principal jornal, o “Diário Novo”, tinha sede na Rua da Praia, ele representava as “classes inferiores”, “deserdadas dos bens sociais ou oprimidas por leis tirânicas e ofensivas dos seus supostos direitos”, nas palavras de um conservador. E chegou a governar a província por mais de três anos.

Mais um levante por terra, justiça e trabalho

Em 1844, com a vitória do Partido Liberal sobre o Conservador nas eleições nacionais, o baiano Chichorro da Gama foi nomeado presidente de Pernambuco e fez um governo popular. Além de trocar guabirus por praieiros nos cargos públicos, ele teve a audácia de mandar a polícia varejar engenhos em busca de criminosos lá acoitados — uma novidade que teve um grande impacto político porque, até então, só se entrava nas grandes propriedades com autorização dos seus donos.

Em 1848, porém, a roda da fortuna girou novamente. Os luzias (liberais) perderam as eleições nacionais; o saquarema (conservador) pernambucano Pedro de Araújo Lima, Visconde de Olinda, assumiu a chefia do gabinete ministerial; e Chichorro da Gama foi despachado de Pernambuco. E o Barão achou que as coisas voltariam ao seu devido lugar, assim como o Capibaribe transbordava, mas sempre retornava ao seu leito, após as chuvas — ou seja, com os poderosos mandando e os pequenos obedecendo.

Daquela vez, porém, não foi assim.

Os praieiros não aceitaram a derrota e não se recolheram, à espera de outra oportunidade pelo voto. Em vez disso, formaram uma junta provisória, liderada por Peixoto de Brito, e se levantaram em armas, repetindo o que outros pernambucanos haviam feito inúmeras vezes, no passado. E no dia dois de fevereiro de 1849 eles conseguiram chegar a poucas braças do Palácio do Governo, já estando perto de derrubar o presidente Manoel Tosta, quando o inesperado aconteceu.

A notícia da morte em combate de um dos principais líderes da Praia, o deputado Joaquim Nunes Machado, no Largo da Soledade, fez cessar subitamente o ataque, para alegria do Barão. E o movimento revolucionário, que ainda se manteve por algum tempo, no interior, foi ficando cada vez mais fraco, até seu fogo apagar de vez.

Francisco do Rego Barros foi ainda promovido a visconde, em 1858, e a conde, em 1860. E ganhou as comendas da Casa Imperial, da Imperial Ordem do Cruzeiro, da Imperial Ordem da Rosa, da Imperial Ordem de São Bento de Avis e da Ordem Militar de Cristo. Também foi deputado geral e senador do Império, de 1850 a 1870, e presidente do Rio Grande do Sul, entre 1865 e 1867, lá acumulando a função de Comandante das Armas, durante a Guerra do Paraguai. E morreu no Recife, em 1870.
Na próxima semana, o agitador Borges da Fonseca.

Revolução urbana

Ao Barão e ao engenheiro francês Louis Vauthier os recifenses devem, além do Palácio do Governo e do Teatro de Santa Izabel, o Ginásio Pernambucano, a Assembleia Legislativa, a Alfândega (o Paço atual), a Penitenciária (hoje, Casa da Cultura), a ponte pênsil de Caxangá (a primeira desse tipo, no Brasil, destruída por uma enchente do Capibaribe, em 1869), além da reforma das pontes do Recife e da Boa Vista. E, ainda, o aterro de vários manguezais, inclusive um que possibilitou a abertura do Caminho Novo, uma estrada que partia da Rua da Aurora em direção à Várzea — hoje, no seu trecho inicial, a Avenida Conde Boa Vista.

Regressão social

Jerônimo Figueira de Melo, chefe de polícia conservador, assim analisou o governo do Barão: “Como consequência desses manejos, resultou que a província se dividiu em dois partidos. A um deles estão ligados os proprietários, os negociantes, os capitalistas, todas as classes ilustradas e os primeiros empregados do governo. Ao outro, guardadas algumas exceções, aderiram as classes inferiores e ignorantes da população que, julgando-se deserdadas dos bens sociais ou oprimidas por leis tirânicas e ofensivas dos seus supostos direitos, nutrem no coração os sentimentos do ódio, da inveja e da vingança contra as classes superiores, no mais elevado ponto de exaltação”.

Borges da Fonseca, um defensor do povo

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Enérgico, ousado, astuto, ele foi o agitadormor e umdos principais líderes da Revolução Praieira

Amanhã do dia dois de fevereiro de 1849 transcorria gloriosa para o conhecido advogado e jornalista Antônio Borges da Fonseca. Ele fazia história e tinha consciência disso. Uma tropa “praieira” sob seu comando entrara no Recife pelo sul, cruzara a Ponte da Boa Vista e avançava pela Rua Nova sob intenso tiroteio, enquanto outra coluna rebelde vinha pelo norte, ambas em direção ao Palácio do Governo. Quando se juntassem, o governador Manoel Vieira Tosta seria derrubado e a Revolução triunfaria em Pernambuco.

Sempre alerta e disposto a tudo, Borges soubera aproveitar as circunstâncias do momento. Se a fome e miséria do povo eram a pólvora, ele era o fogo que causara a explosão. E se até dois meses atrás era tido apenas como um “cabano”, um“jacobino”, um agitador radical que clamava no deserto, agora liderava um grande movimento popular. Aí, o inesperado veio atrapalhar seus planos…

POR QUE NÃO?

Borges nasceu na Paraíba, em 1808, filho natural de uma índia com o tenente-coronel Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca, revolucionário de 1817 e de 1821. Do pai herdou o patriotismo e a valentia, que nele se juntaram a um intelecto poderoso e a um grande talento para a oratória. Membro da sociedade secreta “A Jardineira”, lançou seu primeiro jornal, a “Gazeta Paraibana”, aos 20 anos, em 1828, e logo foi preso devido às suas opiniões muito avançadas. Solto, transferiu-se para o Recife e depois para o Rio de Janeiro, onde fundou “O Repúblico”, jornal de oposição ao imperador que chegou a ser bastante influente.

Quando D. Pedro I abdicou da coroa, em 1831, Borges voltou para a Paraíba, onde foi secretário do Governo. Mas logo veio para o Recife, cidade populosa e movimentada, onde passou a advogar e a publicar seus jornaizinhos incendiários — chegaria a lançar 25, ao longo da vida! As injustiças sociais, fermento do pão que ele amassava, abundavam no País. E o forno estava quentíssimo, principalmente em Pernambuco, palco de tantas lutas antigas e recentes.

A desgraça começava com o desemprego nas cidades. A importação irrestrita de manufaturas deixava os artesãos nacionais sem encomendas e o comércio era controlado por estrangeiros. Já no interior, os agricultores sem terra eram obrigados a se submeter à vontade absoluta dos grandes proprietários, que também dominavam o campo político, elegendo quem queriam para ocupar os cargos públicos.

Em consequência, as revoltas sucediam-se, todas reprimidas com extrema violência. Mas, algum dia, alguma delas haveria de dar certo; e o ano de 1848, com os ventos da “primavera dos povos” européia cruzando o oceano e vindo soprar aqui, parecia bastante promissor.

Se, em Paris, o povo erguera barricadas nas ruas, derrubara o rei e implantara uma república, por que as massas brasileiras não seriam capazes de fazer o mesmo?…

ASTÚCIA POLÍTICA

Curiosamente, até dois meses atrás, os principais adversários de Borges eram os “praieiros” liberais e não os “guabirus” conservadores. Nos seus jornaizinhos, ele acusava a Praia de enganar o povo, falando em reformas só da boca para fora. Mas, quando esse partido foi apeado do poder em Pernambuco, onde estivera desde 1845, e os guabirus assumiram o governo e começaram a persegui-lo, ele soube tirar vantagem da situação.

Borges aproximou-se dos praieiros “novos”, os mais radicais, que estavam com ódio e com medo, e os instigou a promover um levante armado. A peleja começou em Olinda, em novembro, e logo se espraiou por Igarassu, Goiana e Nazaré da Mata, sob o comando do valente senhor de engenho Manoel Pereira de Morais.

Então, soube-se que o respeitadíssimo deputado praieiro “velho” Joaquim Nunes Machado voltara do Rio de Janeiro, disposto a usar seu prestígio para apaziguar os ânimos. E Borges — que, pelo contrário, queria ver o circo pegar fogo — imediatamente escreveu, imprimiu e mandou distribuir um panfleto acusando-o de covarde, traidor e vendido aos guabirus.

Foi o bastante. O altivo Nunes respondeu com uma furiosa declaração, reafirmando a fé em seu partido. Mas o derradeiro empurrão ainda estava por ser dado.

Pelo direito à vida, à liberdade e à soberania

No final de dezembro, os praieiros “velhos” prepararam um documento intitulado “A Bandeira do Partido Liberal”, reunindo propostas para apresentar ao governo que pusessem fim a tanta discórdia. Então, Borges reuniu-se com os praieiros “novos”, em Nazaré, e com eles montou outra agenda, com dez reivindicações, que recebeu o singelo título de “Manifesto ao Mundo”.

Era Pernambuco falando para o mundo pela primeira vez, diretamente de Nazaré da Mata!

Embora evitassem temas ainda polêmicos para muita gente, como o fim da escravidão e da monarquia, eles faziam outras exigências que, como sabiam, nem sequer seriam discutidas pelos conservadores. E, no fim, havia uma declaração de guerra: “Assim é que já não temos partidos, eles estão acabados. Hoje só há liberdade e regeneração, ou escravidão e aniquilamento. Venham todos a nós, que os receberemos como irmãos”.

Simbolicamente, a “Bandeira” foi lançada no último dia de 1848, e o “Manifesto”, no 1º de janeiro seguinte.

A perseguição aos praieiros cresceu, então, ainda mais, e aos “velhos” não restou alternativa senão a de pegarem em armas, junto com os “novos”. E foi criado um governo provisório em Água Preta, de onde eram lançados ataques de surpresa, utilizando a tradicional tática pernambucana de guerra de guerrilhas.

Então, o governador Vieira Tosta despachou uma grande tropa contra os rebeldes, mas estes a contornaram e atacaram o Recife, em duas colunas: a do norte, com João Roma, João Paes e Nunes Machado, sob o comando de Manuel de Morais; e a do sul com Pedro Ivo, Lucena e Leandro Cezar, liderada por Borges da Fonseca. E tudo corria bem quando se soube que o carismático deputado Nunes Machado levara um tiro na cabeça, no Largo da Soledade. Aí, os praieiros desanimaram e desistiram do ataque. E a Revolução, na prática, acabou ali.

Borges ainda ocupou a cidade de Brejo da Areia, na Paraíba. Porém, sem apoio popular, voltou à Pernambuco e foi capturado em março, sendo arrastado pelas ruas do Recife a ferros, como um escravo fugido. Preso em Fernando de Noronha e anistiado dois anos depois, ele lutou até o fim da vida por reformas que dessem a todos “direito à vida material, intelectual e moral, à liberdade e à soberania”. Em 1867, posicionou-se contra a guerra ao Paraguai, “filha do capricho, da injustiça e da iniquidade”.

Antes de morrer, em 1872, o eterno revolucionário determinou que, no seu velório, o caixão fosse posto de pé, na rua, fora da casa, estando ele com o braço estendido à frente, de modo que o povo pudesse vir cumprimentá-lo e se despedir apertando-lhe a mão. Hoje, é nome de rua em várias cidades brasileiras, inclusive no Recife. Na próxima semana, o general Abreu e Lima.

A Jardineira

Como os partidos só foram criados no Brasil em 1837, quem não fazia parte da classe dominante, até então, só podia participar da vida política através de alguma sociedade secreta. Os “jardineiros”, por exemplo, segundo Frei Caneca, pretendiam “instruir os homens e mudar os costumes por meio de constituições liberais que apadrinhassem eficazmente os direitos da espécie humana”, e seu objetivo “era unicamente o socorro da humanidade oprimida pelos revezes da cega fortuna, das injustiças e da tirania”. Tal como a maçonaria, eles usavam rituais e sinais de identificação, e “não obstante seus propagadores lhe confiram uma antiguidade religiosa e respeitável, data a sua existência de muito pouco tempo”.

O “Manifesto ao Mundo”

Nesse documento os praieiros, entre outras reivindicações, exigiam o voto livre e universal; a plena e absoluta liberdade de imprensa; o trabalho como garantia de vida para todos os cidadãos; o comércio a retalho só para os brasileiros; a efetiva independência dos poderes constituídos; a extinção do Poder Moderador, que dava ao imperador a palavra final sobre qualquer assunto; a reforma do Poder Judiciário, de modo a garantir os direitos individuais dos cidadãos; e a mudança do arbitrário sistema de recruta

J. I. de Abreu e Lima, o “general das massas”

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Ele ajudou a libertar seis países sul-americanos e lutou pelos direitos civis até depois de morto

O recifense José Inácio de Abreu e Lima era o militar mais experiente e condecorado do País, um general que, de espada em punho, ajudara a libertar várias nações sul-americanas do domínio espanhol. E estava em Pernambuco quando o seu partido político proclamou a Revolução Praieira, em 1848. Mas não participou da luta armada porque, em sua opinião, as crises, dentro do Brasil, deveriam ser resolvidas por meio do debate, não pela guerra civil.

No campo das ideias, porém, ele jamais parou de brigar. Nem mesmo quando já estava sob sete palmos de terra, dentro de um caixão…

HERÓI DE GUERRA

A impressionante trajetória militar e política de Abreu e Lima começou na Revolução de 1817 — mesmo não tendo dela participado diretamente. Ele era, então, um jovem capitão de Artilharia patriota e de cabeça quente que, por haver brigado com um oficial superior português, fora despachado preso para Salvador, antes de o movimento rebentar no Recife, no dia seis de março. E lá estava quando, no dia 26 daquele mês, seu pai — que também se chamava de José Inácio, mas fora apelidado de “Padre Roma”, pois se ordenara na Santa Sé — e seu irmão caçula, Luís, foram atirados em sua cela.

O Padre Roma havia sido enviado pelo governo revolucionário de Pernambuco para fazer contato com os patriotas baianos. Mas foi capturado logo após desembarcar da jangada, em Itapoã, e sob as ordens do Conde dos Arcos, governador da Bahia, em apenas dois dias foi julgado e fuzilado, na presença dos filhos. Esse episódio marcou profundamente os rapazes e fez com que ambos se tornassem ardorosos revolucionários, daí para frente.

Seis meses depois, eles conseguiram fugir da prisão e embarcar clandestinamente para os Estados Unidos e, em seguida, para Venezuela, visando se alistar no exército de Simón Bolívar. Luís acabou ficando em Porto Rico, onde se empregou no comércio, mas José Inácio seguiu em frente e tornou-se um destacado auxiliar do Libertador das Américas.

Entre 1819 e 1830, ao lado de Bolívar, o pernambucano cruzou a Amazônia de canoa, escalou altíssimas cordilheiras, atravessou pântanos imensos e arriscou a vida em dezenas de batalhas, participando da libertação dos atuais Equador, Colômbia, Venezuela, Peru, Panamá e Bolívia. Ferido e condecorado muitas vezes, ele chegou ao posto de general por bravura e merecimento, e também pelejou com a pena, além da espada, escrevendo em vários jornais.

“UM DOS MUITOS“

Morto Bolívar, Abreu retornou ao Brasil, em 1831, estabeleceu-se no Rio de Janeiro, e, surpreendentemente, passou a defender a monarquia, não o republicanismo pelo qual tanto se batera no exterior. Mas, ao mesmo tempo, exigia mudanças radicais como a reforma agrária e o fim da escravidão porque, apesar de membro da elite — sua família era um das mais tradicionais de Pernambuco — ele se considerava “um dos muitos”.

“Também faço parte deste povo depreciado a cada instante, que os espertos chamam de ‘vil canalha’, depois de havê-lo enganado para enriquecer, à custa da sua boa fé”, ele escreveu certa feita. E por isso ganhou o jocoso apelido de “o general das massas”.

Suas ideias, aparentemente contraditórias, baseavam-se, contudo, no que ele tinha visto nas suas andanças. Sob a república, os povos hispano-americanos, em vez de se ajuntarem em grandes nações e confederações, como queria Bolívar, acabaram se repartindo em diversas republiquetas, às vezes inimigas entre si. O general não queria isso para o Brasil e, em sua opinião, somente o imperador poderia garantir a união nacional.

Ele também achava que, com o monarca fora de cena, os grandes proprietários passariam a mandar sozinhos no País e a situação do povo pioraria ainda mais. E por conta dessas ideias comprou muitas brigas no Rio de Janeiro, onde publicou vários livros, cartilhas, panfletos e até um jornal, tudo sem aceitar cargos públicos nem favores do imperador.

Em 1844, José Inácio voltou à sua terra e candidatou-se a deputado nacional (federal), sem considerar que, após 27 anos fora, tornara-se um desconhecido. Em consequência, não conseguiu se eleger, mas ficou por aqui, integrando o Partido Nacional de Pernambuco — mais conhecido como “a Praia” —, tanto por motivos de afinidade política quanto familiar: seus três irmãos, Luís, João e Antônio, eram destacados líderes “praieiros”.

Socialismo por meio da ciência e da educação

Em 1848, porém, o Partido Conservador, controlado pelos grandes proprietários, ganhou as eleições nacionais. E os praieiros, que há três anos governavam Pernambuco, foram obrigados a entregar o poder de volta aos chamados “guabirus”. Alguns deles, porém, não aceitaram a derrota, partiram para a luta armada, e o general se viu dividido entre suas crenças e lealdades. De um lado, com a família e os amigos a favor do povo, contra as injustiças sociais. De outro, pela manutenção da integridade nacional, ameaçada pela guerra civil.

Que rumo tomar, nessa encruzilhada?

Por trás das suas trincheiras de papel, os jornais, o velho soldado pelejou o quanto pôde para evitar o confronto. Mas foi vencido pela ousadia e a paixão dos jovens praieiros radicais, que reagiam ao atraso e às perseguições dos guabirus conservadores.

Em fevereiro de 1849, a peleja chegou ao ponto máximo com o ataque dos praieiros ao Recife. E eles caminhavam para a vitória quando a morte em combate do deputado Joaquim Nunes Machado fez suas tropas debandarem. A partir daí, o movimento foi murchando até se extinguir. E o general — apesar da sua postura pacifista — passou dois anos preso em Fernando de Noronha, como um dos “cabeças” da Revolução.

Anistiado dois anos depois, ele ainda viveu por duas décadas no Recife, praticando homeopatia num gabinete montado em sua casa, onde atendia os pobres, gratuitamente. E retomou sua velha luta pelo progresso social, mas só no campo das ideias.

Entre outras publicações, Abreu lançou, em 1851, “O Socialismo”, talvez o primeiro tratado sobre o tema escrito nas Américas. Nele, defendia os princípios básicos dessa doutrina, mas atacava as propostas dos socialistas utópicos europeus como Blanc, Owen, Fourier etc. (Marx não foi citado). E continuou a se envolver em polêmicas, tendo a última delas alcançado dimensão nacional.

Embora fosse católico praticante, o general comprou briga com a Igreja ao defender o direito de os protestantes ingleses pregarem sua doutrina por aqui. Por isso, quando morreu, em março de 1869, o bispo Cardoso Ayres proibiu que seus restos fossem enterrados em cemitério católico, e eles acabaram repousando sob uma cruz celta, no Cemitério dos Ingleses.

Esse episódio, porém, repercutiu muito e ajudou a acelerar o processo de separação entre Igreja e Estado, no Brasil. E foi assim que, até depois de morto, o general continuou pelejando pelos direitos civis, como fez durante toda a sua vida. Hoje, Abreu e Lima dá nome a uma refinaria de petróleo e a um município, em Pernambuco.

Na próxima semana, o Marquês de Olinda.

O Socialismo

Para Abreu e Lima, o socialismo não era “nem uma ciência, nem uma doutrina, nem uma religião, nem uma seita, nem um sistema, nem um projeto, nem uma ideia”, mas “um desígnio da Providência”, e a palavra “socialista”, em sua opinião, “encerrava em si uma missão divina”. Ele acreditava que chegaríamos a esse estágio superior por meio da ciência e da educação, apenas, não da luta armada. O progresso material traria consigo a evolução moral e a civilização, mas sem afetar a propriedade e a família, “bases de qualquer sociedade”.

A pena como arma

Abreu e Lima estreou no jornalismo em 1819, escrevendo sobre assuntos brasileiros no “Correo del Orenoco”, porta-voz do exército bolivariano. Anos depois, polemizou com o filósofo francês Benjamim Constant, em defesa de Bolívar, nas páginas de um jornal parisiense, o “Courrier Français”. E publicou um jornaleco na Colômbia, “La Torre de Babel”, em 1830, também de apoio ao Libertador, que já estava no final da vida e da carreira, a caminho do exílio. No Rio de Janeiro, publicou “O Raio de Júpiter”. No Recife, escreveu no “Diário Novo”, principal porta voz do partido praieiro, publicado pelo seu irmão Luís, e lançou, também, “A Barca de São Pedro”, “um jornal político, talvez de oposição”. Sempre em defesa das causas populares.

Pedro de Araújo Lima, o Marquês de Olinda

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Extremamente conservador, ele foi o político mais influente do País durante o Segundo Reinado

Em janeiro de 1866, o Brasil estava metido no seu pior conflito internacional, a Guerra do Paraguai. E vivia uma grande instabilidade política, com ministérios que duravam em média um ano até serem derrubados pela Câmara de Deputados. Então, o grande escritor José de Alencar — na época, deputado pelo Partido Conservador — resolveu apelar a um importante personagem que, em sua opinião, era o maior responsável pela crise.

A carta aberta enviada pelo cearense ao presidente do Conselho de Ministros, o Marquês de Olinda, então com 73 anos, começa irônica: “Chegastes, Marquês, à idade em que outrora os pecadores se faziam beatos e os estadistas escrevem memórias, como um monumento da pátria, múmia da história brasileira”, ele escreveu. “Mas, para quem descobriu a eterna juventude, os anos acumulados tornam-se motivo de vaidade. Vós sois como a bela Ninon de Lenclos, que aos oitenta anos ainda fazia conquistas e afrontava as mocinhas”.

O tom, porém, logo muda: “Para vós, contudo, ainda não chegou o tempo das memórias. Estais com as mãos na obra e a Divina Providência vos oferece a oportunidade, raramente concedida aos estadistas, de se redimir das culpas do passado. Na robustez da idade, podeis aparecer na História do Brasil dando um testemunho admirável de abnegação e modéstia”.

Quais seriam as “culpas do passado” do Marquês, e como ele reagiu ao pedido do escritor, é o que veremos adiante…

DEPUTADO EM LISBOA

Pedro de Araújo Lima nasceu em Serinhaém, em 1793, filho do capitão Manoel de Araújo Lima e de Anna Teixeira Cavalcanti, ambos da mais fina aristocracia açucareira de Pernambuco. Seus ancestrais vieram para cá de caravela, nos tempos de Duarte Coelho. Na juventude, estudou no Seminário de Olinda, então o melhor centro de ensino do Brasil, e em 1813 foi cursar Direito em Coimbra, a única universidade do Reino. E quando rebentou a Revolução de 1817, em Pernambuco, ele estava na Europa, por isso não precisou se posicionar nem do lado brasileiro nem do português.

De volta à sua terra, em 1819, foi logo nomeado ouvidor. Então, os lusos se levantaram contra o poder absoluto de D. João VI, em 1820, na Revolução Liberal do Porto. E Araújo Lima iniciou sua carreira política como um dos representantes de Pernambuco nas “Cortes”, uma assembleia de deputados de todo o Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves, reunida em Lisboa.

Nas Cortes, contudo, os portugueses, em ampla maioria, tentaram suprimir algumas vantagens adquiridas pelo Brasil após a mudança de D. João para o Rio de Janeiro, em 1808, tal como a liberdade de comércio. E, por esse motivo, vários deputados brasileiros se retiraram. Araújo, porém, já demonstrando seu espírito disciplinado e conservador, mesmo sob protesto ficou, assinou e jurou a constituição lá promulgada, em setembro de 1822.

Mas, enquanto isso acontecia, em Portugal, o Brasil se declarava independente.

DEPUTADO NO RIO

Quando Araújo voltou, em 1823, foi eleito deputado por Pernambuco à Assembleia Nacional Constituinte, reunida naquele ano, no Rio de Janeiro. D. Pedro I, contudo, logo fechou aquele congresso, à força. E enquanto perseguia seus adversários políticos, convidou o serinhaense a fazer parte do seu ministério.

Araújo chegou a aceitar, mas nem esquentou a cadeira. Três dias depois pediu demissão, alegando ser muito jovem e inexperiente para o cargo, e partiu novamente para a Europa. Por isso, mais uma vez, não precisou apoiar nenhum partido quando os pernambucanos se levantaram contra o autoritarismo imperial e proclamaram uma república, em 1824, na Confederação do Equador.

De volta à sua terra, Araújo Lima dirigiu o curso de Direito de Olinda, um dos dois primeiros do Brasil, criado juntamente com o de São Paulo, em 1827. Mas logo foi novamente eleito deputado, e nos dez anos seguintes presidiu por quatro vezes a Assembleia Nacional, além de comandar os ministérios do Exterior e da Justiça, até se tornar senador, em 1837.
CHEFE DE GOVERNO

Ainda naquele ano, Araújo ajudou a criar o Partido Conservador, a primeira agremiação política de âmbito nacional. E com a renúncia do Padre Feijó, em setembro, ele assumiu o cargo político mais importante do País — após uma acirrada disputa com o liberal Antônio de Holanda Cavalcanti, também pernambucano, foi eleito regente, passando a governar o País em nome de D. Pedro II, então com 12 anos de idade.

Naqueles tempos turbulentos, o desemprego, os latifúndios e o excessivo poder dos grandes proprietários provocavam inúmeros levantes, como a “Farroupilha”, no Rio Grande do Sul, a “Sabinada”, na Bahia, e a “Cabanagem”, no Pará. Pois Araújo enfrentou esse problema com mais repressão e o fortalecimento do governo central. No “regresso conservador”, capitaneado por ele, até os vice-presidentes das províncias, entre outros funcionários públicos, voltaram a ser nomeados diretamente pelo Rio de Janeiro.

Cinco vezes presidente, por três partidos

Como resposta, o Partido Liberal, criado para fazer frente ao Conservador, promoveu o “Golpe da Maioridade”, e o jovem D. Pedro II assumiu o trono aos 15 anos, em 1840. O que, na prática, não melhorou a situação do povo, já que os dois partidos eram controlados pelos produtores de café e açúcar. Um exemplo disso é o fato de, na coroação do jovem imperador, em 1841, Araújo Lima, recém-apeado do governo, receber o título de Visconde de Olinda. E, em 1842, ser nomeado conselheiro do Estado.

Em 1848, com a vitória dos conservadores nas eleições nacionais, ele assumiu a presidência do Conselho de Ministros e governou novamente o País até o ano seguinte. Foi aí que escolheu o deputado paraense Herculano Pena para presidir Pernambuco, uma nomeação que se tornou o estopim da Revolução Praieira.

Em 1854, Araújo Lima foi elevado de visconde a marquês, e de 1857 a 1858 comandou novamente o Brasil, como primeiro-ministro. Em 1862, contudo, algo inédito aconteceu. Devido às disputas internas em seu partido, ele, o mais conservador dos conservadores, transferiu-se para a Liga Progressista, pela qual ocupou novamente a presidência do ministério, até 1864. Depois, mudou outra vez de endereço político. Foi para o Partido Liberal e governou a Nação, pela quinta e última vez, em 1865.

Foi então que José de Alencar lhe enviou a tal carta, acusando-o de, por despeito, ter-se dedicado a destruir o Partido Conservador, que ajudara a fundar, assim causando instabilidade ao País. Para se redimir, o Marquês deveria deixar de lado seus ressentimentos pessoais e trabalhar pela volta dos seus antigos confrades ao poder. Mas o pernambucano não lhe deu muita bola, haja vista que os liberais continuaram mandando no Brasil até 1868.

Pedro de Araújo Lima morreu em 1870, no Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte da vida. Lá, tornou-se nome de rua, no bairro do Botafogo, e aqui foi homenageado com uma importante avenida no bairro do Recife Antigo. Na próxima semana, os abolicionistas José Mariano e dona Olegarina.

Artista oculto, escravista assumido

Se não fosse político, o Marquês teria sido paisagista. É dele o projeto dos Jardins da Independência, no Rio de Janeiro, com bromélias e palmeiras imperiais. Outra obra sua foi um orquidário no palacete da Condessa de Behring, assim qualificado pela proprietária: “A magnitude e exuberância deste trabalho são indescritíveis.” Já para as questões sociais a sensibilidade dele era menor. Em sua opinião, por exemplo, o movimento abolicionista era “uma atitude de cinismo político sem razões imediatas”.

Educação, mas com disciplina

Embora hiper conservador, Araújo Lima era partidário da educação para todos. Em 1821, por exemplo, ele propôs às Cortes de Lisboa a criação de uma biblioteca pública no Recife e de escolas de primeiras letras em todas as paróquias do Reino. Mas queria educação com muita disciplina. Já no ensino primário deveriam ser incluídas noções de Direito Constitucional, estando os professores obrigados por lei “a doutrinar o povo, a bem da paz e do espírito de regeneração social”. E quando foi regente do Império, entre 1837 e 1840, após a renúncia do Padre Feijó, criou no Rio de Janeiro o Imperial Colégio Pedro II, o Arquivo Público e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do qual foi sócio-fundador.

Olegária e José Mariano. Um casal muito popular

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Ela foi “a mãe do povo” e ele, segundo Gilberto Freire, “o pernambucano mais amado pelas multidões”

Reza a lenda que muitos ex-escravos se suicidaram de tristeza, envenenando-se ou atirando-se no Capibaribe, quando sua “mãe”, dona Olegarinha, morreu de gripe, em 1898. E o enterro dela foi concorridíssimo. Mas no sepultamento do seu marido, em 1912, a comoção foi ainda maior. Cerca de oitenta mil pessoas — praticamente toda a população recifense adulta, na época — acompanharam o cortejo fúnebre que saiu da Câmara Municipal sob uma chuva de flores lançadas das janelas dos sobrados, com os sinos das igrejas dobrando tristemente. E dos oradores que discursaram no trajeto até o cemitério, foi João Barreto que melhor captou a essência do momento, dirigindo-se ao defunto para dizer: “és tu que arrastas o povo; porque o povo, hoje, és tu só”.

Foi a maior homenagem já prestada pelos pernambucanos a um conterrâneo. Mas José Mariano fez por merecê-la…

QUESTÃO RELIGIOSA

Filho de uma família ilustre, José Mariano Carneiro da Cunha nasceu no dia 8 de agosto de 1850 no Engenho Caxangá, município de Ribeirão, e caiu no mundo bem cedo. Com apenas 16 anos de idade ingressou na Faculdade de Direito do Recife, tendo como colegas de turma ninguém menos que Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Herculano Bandeira e Castro Alves. Aos 20, já estava formado. Aos 22, fundou o jornal A Província (diz-se que vendeu um engenho para financiá-lo). E aos 23 casou com sua prima Olegária Adelaide da Gama, com quem teve cinco filhos. Ela foi o grande amor da sua vida e sua companheira de todas as horas — principalmente, na luta pela libertação dos escravos.

Além de defender a causa abolicionista, A Província, ligada ao Partido Liberal, estreou batendo com força no ministério do Partido Conservador, que então dirigia o País, e no governador de Pernambuco, Francisco de Farias Lemos. De quebra, polemizava com o bispo de Olinda, D. Vital Maria de Oliveira, e com os padres jesuítas.

Extremamente retrógrados, esses “ultramontanos” (os atuais “fundamentalistas”) interditavam ordens religiosas da qual os maçons, como Mariano, faziam parte, e desafiavam o governo, interferindo nos negócios públicos. E ele, à frente de uma malta, chegou a interromper uma missa no Colégio dos Jesuítas, espancando o celebrante, e a promover um quebra-quebra no jornal A União, pertencente àqueles padres. (Em 1911, porém, já perto da morte, se declararia arrependido, atribuindo o feito ao “excesso de patriotismo”).

Essa pendenga, chamada de “Questão Religiosa” — que, aliás, estendia-se por todo o País —, só findou dois anos depois, com o bispo D. Vital sendo levado preso para o Rio de Janeiro.

CARREIRA VITORIOSA

Com tanta energia e disposição, rico, bonito, excelente orador e dono de jornal, José Mariano estava bem aparelhado para atuar na política. Mas isso não era tudo. Embora filho da aristocracia, ele também possuía o dom da comunicação com as massas, além de ser, de fato, um homem muito generoso. Era membro, por exemplo, do Clube do Cupim, que promovia fugas de escravos. E sua mulher o ajudava muitíssimo.

Segundo o historiador Câmara Cascudo, “dona Olegarinha foi a Nossa Senhora dos pobres, mãe, madrinha, enfermeira e advogada de quem a procurava”. E “os porões da sua casa no Poço da Panela fervilhavam de escravos escondidos que eram alimentados, vestidos e garantidos pelo coração do casal”.

Somando tudo isso, José Mariano jamais perdeu uma eleição. Em 1878, foi eleito deputado geral (federal) pelo Partido Liberal, reelegendo-se em 1881, 1884 e 1886. Então, no dia 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, extinguindo, finalmente, o cativeiro no Brasil. Essa medida, porém, contrariou os interesses dos grandes proprietários rurais — especialmente os poderosos produtores de café de São Paulo — e a monarquia não tardou a receber o troco.

Um ano e meio depois, no dia 15 de novembro de 1889, os militares, com apoio dos cafeicultores, proclamaram a República — para desgosto de Mariano que, igualmente a outros grandes pernambucanos progressistas, defensores da abolição e da reforma agrária, como Abreu e Lima e Joaquim Nabuco, era partidário da monarquia.

Contudo, ao contrário de seu amigo Nabuco, que se retirou da política, Mariano foi em frente. Elegeu-se para a Assembleia Constituinte instalada no Rio de Janeiro, em 1890, e ajudou a escrever a nova carta do País, promulgada em fevereiro de 1891. Então, ainda naquele ano, houve as primeiras eleições para prefeitos no Brasil, e os recifenses o escolheram para o inédito posto, na sua cidade.

Só que ele ganhou, mas não levou.

Mesmo na prisão, o povo o elegeu outra vez

Ocorreu que, velho, doente, em meio a uma grave crise econômica e com a resistência monarquista promovendo distúrbios em todo o País, o marechal Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente brasileiro, renunciou. E o vice, o também marechal Floriano Peixoto, assumiu com a incumbência de convocar eleições para o cargo, conforme mandava a Constituição.

Temeroso, porém, de que a recém-criada república, uma flor ainda em botão, não chegasse a desabrochar, Floriano recusou-se a passar a faixa adiante. Virou ditador e começou a reprimir sem pena seus opositores, ganhando por isso o apelido de “Marechal de Ferro”. E José Mariano, que ousou enfrentá-lo com a sua bravura e disposição de sempre, foi recolhido ao Forte do Brum e depois remetido para a prisão da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro.

Em 1894, contudo, ele, mesmo encarcerado, sem poder fazer campanha, foi mais uma vez eleito deputado federal. Naquele mesmo ano, um pouco antes do fim do governo de Floriano, conseguiu um habeas corpus no Supremo Tribunal de Justiça. E em outubro foi recebido em festa no Recife, com todas as ruas embandeiradas e tomadas pela multidão do Cais do Porto até o Poço da Panela, onde ficava sua casa.

Em 1897, Mariano voltou a ser eleito deputado, agora pelo Partido Autonomista, que ajudou a fundar em Pernambuco. Mas retirou-se da política após a morte de dona Olegarinha, em 1898, cujos funerais e homenagens a ela prestadas pela população pernambucana ele não pôde assistir, porque estava no Rio de Janeiro. Então, começou a passar dificuldades financeiras até o presidente Rodrigues Alves nomeá-lo oficial do Registro de Títulos e lhe conceder um Cartório de Títulos e Documentos, na capital federal.

Em 1911, José Mariano teve uma recaída e voltou à política, elegendo-se deputado federal pelo Partido Republicano Conservador. Mas morreu no dia 8 de junho do ano seguinte, na capital federal, sendo trazido embalsamado para Pernambuco e causando aquela imensa comoção no seu enterro.

Em sua homenagem foi erigida uma estátua no Poço da Panela; seu nome foi dado a um cais na margem esquerda do rio Capibaribe, no centro do Recife; e a Câmara Municipal desta cidade intitulou-se “Casa de José Mariano”.

O Clube do Cupim

Criada no Recife, em 1884, esta sociedade secreta tinha sinais próprios, apelidos, senhas etc., como a maçonaria, mas não estatuto. Seu único fim era a libertação dos cativos. E sua última façanha, em abril de 1888, foi transportar pelo rio Capibaribe 119 escravos ocultos numa barcaça de capim, à noite, do casarão de José Mariano, no Poço da Panela, passando em frente à Chefatura de Polícia, na Rua da Aurora, até a Casa de Banhos. De lá os fugitivos foram embarcados em um navio que os levou para o Ceará, onde a abolição fora proclamada desde 1883.

Gilberto Freyre fala de Mariano

“Entre José Mariano e o povo do Recife houve sempre amor. Mas amor violento, um desses amores de estudante de família ilustre com moça pobre e de cor. Ele conheceu o triunfo de ser um político querido como nenhum, sem, entretanto, ter sido parasita da sua popularidade, gozando à custa da plebe vida azul nos salões e nos clubes elegantes. Conheceu outros triunfos: o de ter concorrido para a Abolição não só com discursos, nem apenas com o dinheiro das joias da mulher, mas preparando com suas próprias mãos de fidalgo as célebres fugas dos escravos, que deixavam Pernambuco para o Ceará em barcaças. E o triunfo, também, de ter sido eleito deputado estando todo o tempo da campanha eleitoral preso, longe dos olhos, mas não do coração da sua amada cidade.”


Joaquim Nabuco: generoso, aristocrático e brilhante

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Ele foi o maior intelectual pernambucano, e como deputado liderou a campanha pela libertação dos escravos no Brasil

Se Frei Caneca foi o principal líder político pernambucano, o diplomata, historiador, jurista, jornalista, memorialista e poeta Joaquim Nabuco — apelidado, no seu tempo, de “o belo Quincas”, porque também era muito bonito — foi o intelectual mais importante. Mas entrou para a História como líder da campanha abolicionista.

Deputado geral (federal), ele comandou a bancada contrária à escravidão na Câmara e ainda teve atuação destacada na luta pela separação entre Estado e Igreja, entre outras causas progressistas. Contudo, a Abolição — finalmente decretada pela Princesa Isabel no dia 13 de maio de 1888 — teve uma consequência tão desastrosa, do seu ponto de vista, que ele abandonou a vida pública…

BERÇO NOBRE

Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo nasceu em 1849, no Recife, no dia 19 de agosto – data na qual se comemora o Dia Nacional do Historiador, em sua homenagem. Filho do jurista e político baiano José Tomás Nabuco de Araújo Filho, que presidiu o julgamento dos rebeldes da Revolução Praieira, e de Ana Benigna de Sá Barreto, irmã de Francisco Paes Barreto, Marquês do Recife, ele herdou dos pais a cultura e o refinamento, mas não as preocupações sociais, como o desejo de acabar com a infâmia do cativeiro no Brasil.

Nabuco formou-se pela Faculdade de Direito do Recife tendo como colegas de turma Castro Alves e José Mariano, dois outros grandes abolicionistas, além de Rui Barbosa. E na juventude manteve um relacionamento amoroso com Eufrásia Teixeira Leite, moça riquíssima, herdeira de uma das grandes fortunas do mundo, na época.

Eufrásia vivia em Paris. Eles se conheceram a bordo de um navio, numa viagem para a Europa, em 1873, e seguiram se comunicando por cartas. Mas o romance acabou em 1887 e Nabuco, dois anos depois, casou-se no Rio de Janeiro com Evelina Torres Soares Ribeiro, da mais fina aristocracia brasileira, com quem teve três filhos e duas filhas.

Eufrásia ficou solteira.

MEU BEM, MEU MAL

Nabuco culpava a escravidão pela maioria dos problemas nacionais e previu com muita lucidez que ela deixaria marcas profundas, por muito tempo, na cultura e no caráter do País. Mas, no seu entender, a abolição — com a qual os donos de escravos, naturalmente, não concordavam — não deveria ser feita de modo radical e abrupto, e sim de modo pacífico, com o processo encaminhado pelos canais competentes, ou seja, o parlamento. Nada de agitações nas ruas.

Também foi um duro crítico da Igreja Católica, classificando sua postura com relação ao cativeiro de “a mais vergonhosa possível, pois ninguém jamais a viu tomar partido dos escravos, apesar do seu imenso poder em um país ainda em grande parte fanatizado por ela”. Para ele, o estado deveria ser laico, assim como o ensino público. Mas afirmava não ser contra o “catolicismo-religião”, só o “catolicismo-política”.

“Não sou inimigo da Igreja Católica”, ele dizia. “Sou inimigo é desse catolicismo político, é desse catolicismo que se alia a todos os governos absolutos, é desse catolicismo que em toda a parte combate a civilização e quer fazê-la retroceder”. E lutou muito, ao lado de Rui Barbosa e de José Mariano, entre outros, para que a Igreja parasse de interferir nos negócios públicos. Mas, na campanha abolicionista, ninguém se distinguiu tanto quanto ele.

O fim da escravidão, porém, causou também um grande mal, do seu ponto de vista. Os grandes proprietários de terra, os cafeicultores e senhores de engenho que mandavam de fato no País, contrariados com perda dos seus escravos, retiraram seu apoio à monarquia e a república foi proclamada pelos militares, em 1889. Uma mudança que o desgostou profundamente.

Tal como outros filhos de família tradicionais pernambucanas, como José Inácio de Abreu e Lima e José Mariano Carneiro da Cunha, Nabuco, apesar de progressista nas causas sociais, também era um radical defensor da monarquia.

O general Abreu, por exemplo, lutou pela independência e pela implantação de regimes republicanos em seis dos atuais países América do Sul, ao lado de Simón Bolívar, entre 1819 e 1830. De volta ao Brasil, batalhou pelo fim da escravidão, pela reforma agrária, pela liberdade religiosa, e até se proclamou socialista, mas defendeu o Império até morrer, em 1864. Para ele, sem a figura do imperador, a Nação poderia se partir em várias republiquetas, como ocorrera no restante da América Latina. Além disso, como maioria dos brasileiros não participava da vida política e o nível geral da educação era baixíssimo, eles se tornariam uma presa fácil para ditadores ou demagogos.

Nabuco pensava o mesmo.

Não seria a monarquia o melhor para o País?

Assim como o general, o deputado julgava que um regime semelhante ao da Inglaterra, onde o rei dava estabilidade à Nação e havia liberdade e respeito aos direitos civis, seria o ideal para o Brasil. E em protesto contra a derrubada de D. Pedro II retirou-se da política, ignorando os pedidos que recebeu para permanecer.

Passou, então, a dedicar-se mais à escrita, sendo dessa época algumas das suas principais obras, como Um estadista do Império, uma biografia do seu pai, Tomás Nabuco, e Minha Formação, de memórias. Ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras, em 1897, e manteve uma grande amizade com o escritor Machado de Assis, que tinha até um retrato de Nabuco pendurado numa parede da sua casa.

Aos poucos, porém, foi abrandando, e em 1905 voltou à vida pública como embaixador do Brasil nos Estados Unidos, onde, entre uma atividade diplomática e outra, divulgava Os Lusíadas de Camões, fazendo conferências em inglês sobre o grande poeta da língua portuguesa.

Seu prestígio intelectual por lá era enorme. Em 1908, por exemplo, ele recebeu o grau de doutor em letras pela Universidade Yale, palestrou na Universidade de Wisconsin e pronunciou o discurso oficial de encerramento do ano letivo na Universidade de Chicago. E foi, ainda, um grande defensor do pan-americanismo, tendo presidido a III Conferência Pan-Americana, realizada no Rio de Janeiro, em 1906.

Com o tempo, também mudou sua relação com a Igreja Católica. Reconverteu-se e declarou: “Preciso renunciar a tudo que escrevi em espírito de antagonismo à religião, com a mais soberba incompreensão de seu papel e da necessidade, superior a qualquer outra, da sua ação formativa, reparadora e consoladora em nossa vida pública e nos costumes nacionais”.

Sua estada nos Estados Unidos durou até 1910. Uma doença muito rara, a policitemia vera, que provoca um aumento desordenado dos glóbulos vermelhos no sangue, o matou, em Washington, aos 60 anos de idade. Transladados para cá, seus restos foram sepultados no Cemitério de Santo Amaro e ele hoje dá nome a diversas ruas e avenidas em várias cidades brasileiras, além de uma importante fundação em Pernambuco. 2010, ano do centenário do seu falecimento, foi o Ano Nacional Joaquim Nabuco, e em 2014 ele foi inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, em Brasília.

Um clã ilustre

Evelina, esposa de Nabuco, era filha do Barão de Inoã, sobrinha da Condessa de Tovar e do Visconde de Torres, neta do Barão de Itambi e sobrinha-neta do Visconde de Itaboraí. Desse casamento nasceram: Maurício, que foi diplomata e, como o pai, embaixador do Brasil nos Estados Unidos; Joaquim, padre católico e alto membro da cúria romana; Carolina, escritora de renome; Mariana e José Tomás, que casou com Maria do Carmo, irmã do ministro das Relações Exteriores Afonso Arinos de Melo Franco. Não poderia haver família mais chique.

Crítica à Igreja

Nabuco escreveu, na juventude, que “a Igreja Católica foi grande no passado, ao nascer no meio de uma sociedade corrompida, minada pelo egoísmo e moralmente degradada pela escravidão. A Igreja foi grande quando tinha de esconder-se nas catacumbas, quando era perseguida. Mas, desde que passou a sentar-se no trono e a vestir a púrpura dos césares, desde que esqueceu as palavras do seu divino fundador, que disse ‘o meu reino não é deste mundo’, ela não teve outra religião senão a política, outra ambição senão o governo, e tem sido a mais constante perseguidora do espírito de liberdade, dominadora das consciências, e se tornou inimiga irreconciliável da expansão científica e da liberdade intelectual do nosso século”. Porém, mudou de opinião no fim da vida.

Conselheiro Rosa e Silva, o “dono” de Pernambuco

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Ele comandou o Estado por duas décadas, até ser derrubado pelas tropas do general Dantas Barreto

A tradição e a modernidade pernambucanas encontraram-se no Rio de Janeiro, numa tarde de sábado do mês de junho de 1899. E uma bateu na outra, literalmente. A primeira estava representada pelo conselheiro Rosa e Silva, ex-deputado, ex-senador, ex-ministro, então vice-presidente da República, e nesta época o líder absoluto da aristocracia açucareira que mandava em Pernambuco desde o tempo das caravelas. A segunda por Delmiro Gouveia, um cearense que, na juventude, pobre e órfão, ganhara a vida como bilheteiro de trem. Mas, à custa de muita criatividade e trabalho, tornara-se um bem-sucedido empresário no ramo da exportação de couros e acabara de inaugurar o espetacular Mercado do Derby, o primeiro shopping center da América Latina.

O sucesso de Delmiro, contudo, era visto como uma ameaça ao domínio político dos antigos “senhores do baraço e do cutelo” (da corda e do facão) da região, os produtores de açúcar. E o prefeito do Recife, Esmeraldino Bandeira, pau mandado de Rosa e Silva, passou a criar dificuldades para o funcionamento do Mercado. Então, o empresário foi ao Rio reclamar diretamente com o chefe dele, e os dois homens se cruzaram, a pé, na Rua do Ouvidor, a mais chique do Brasil, na época.

Abordado por Delmiro, o conselheiro, porém, não deu nenhuma atenção aos seus reclamos e por isso levou uma chuva de bengaladas, que só teve fim quando ele se refugiou numa loja, a Chapelaria Inglesa.

Foi a primeira derrota sofrida por Rosa e Silva em toda sua vida, mas ele não se abalou. Vingou-se de Delmiro e por mais uma década manteve seu reinado em Pernambuco, elegendo sucessivamente quatro governadores, até topar com outro adversário, bem melhor armado do que o cearense…

CARREIRA EXEMPLAR

Francisco de Assis Rosa e Silva nasceu no Recife, em 1857, filho do rico comerciante português Albino José da Silva, e fez uma trajetória comum aos jovens pernambucanos “bem-nascidos” de então. Aos 16 anos entrou na Faculdade de Direito, e depois de formado passou algum tempo na Europa completando seus estudos e refinando suas maneiras. Ao voltar, estreou na política elegendo-se deputado provincial (estadual) pelo Partido Conservador, em 1882, e deputado geral (federal), de 1886 a 1889, período em que foi, ainda, ministro da Justiça, e recebeu do imperador o título de conselheiro.

Com a proclamação da República, em 1889, elegeu-se deputado à Assembleia Constituinte pelo Partido Republicano, no ano seguinte, e depois deputado federal, tendo presidido a Câmara de 1894 a 1895, quando se tornou senador. Por fim, assumiu a vice-presidência do Brasil na chapa encabeçada por Campos Sales, em 1898.

Durante esse tempo ele foi o “dono” de Pernambuco, colocando quem queria na cadeira de governador. Usando o seu prestígio nacional, também levantou recursos para abrir avenidas no Recife e ampliar do porto, além de estender a malha ferroviária pelo interior. E estava no auge do poder quando foi surrado por Delmiro no meio da rua.

MODERNIDADE TEMIDA

Delmiro Gouveia era um visionário. Inspirado pela Feira Internacional de Chicago, que visitara em 1893, ele construíra um grande mercado no Recife, no local onde hoje fica o Quartel de Polícia, no Derby. Servido pela primeira iluminação elétrica vista em Pernambuco, com lojas de todo os tipos, salas de jogos, parque de diversões etc., era uma novidade extraordinária, que nos finais de semana recebia de oito a dez mil visitantes — cerca de um décimo da população recifense, na época. Um sucesso, porém, detestado pelos lojistas do Centro, que passaram a perder clientela. E, pior ainda, execrado pelos barões do açúcar.

A economia pernambucana começava, então, a se diversificar, com a implantação de curtumes, tecelagens, fábricas de cigarros, de óleos vegetais etc., impulsionada por empreendedores como Delmiro e a família Ludgren. Em consequência, a classe média crescia, as populações migravam do campo para a cidade e os proprietários rurais perdiam o seu eleitorado. Por isso, o Mercado do Derby, o símbolo perfeito da modernidade temida por eles, não podia existir. E no dia dois de janeiro de 1900 — seis meses depois do episódio das bengaladas — foi destruído por um incêndio pelo qual a Polícia, estranhamente, acusou seu próprio dono.

No dia quatro, porém, o jornal recifense A Província, de oposição, desvendou o mistério da autoria do crime, tornando público um telegrama enviado a Rosa e Silva pelo então governador Sigismundo Gonçalves, dizendo: “Mercado incendiado. Delmiro preso. Saudações, Sigismundo”. E o Conselheiro continuou dando as cartas em Pernambuco, até que a mesa do jogo foi virada pelos militares.

Uma campanha eleitoral que virou guerra

Em 1910, houve eleição para a Presidência da República, com 65 candidatos inscritos, sendo os principais o general Hermes da Fonseca e o jurista Rui Barbosa. E, entre os dois, Rosa escolheu o fardado. “Com o Rui, nem para o céu”, ele teria dito, e a sua opção foi decisiva para o resultado do pleito.

Na época, o voto não era secreto; os “coronéis” de cada região obrigavam os eleitores a votar em quem eles queriam; e dizia-se: “Quem tem Rosa tem o Norte do Brasil. Sem Rosa ninguém se elege. Contra Rosa ninguém governa”. E foi com apoio das máquinas estaduais, principalmente as de Minas e de Pernambuco — o Rio e São Paulo ficaram com Rui —, que Hermes elegeu-se presidente, com mandato até 1914.

Mas o general foi ingrato com Rosa. Em 1911, ele indicou seu ministro da Guerra, Emídio Dantas Barreto, para concorrer ao governo de Pernambuco em oposição ao conselheiro. Que, diante de tal ameaça, resolveu disputar o cargo ele mesmo. E a campanha foi praticamente uma luta armada.

De um lado, o exército, a favor de Dantas Barreto e com apoio da maioria da população recifense. Do outro, a polícia, apoiando Rosa e Silva. E os enfrentamentos se sucediam diariamente nas ruas, com muitos mortos e feridos até que, no dia cinco de novembro de 1911, Rosa ganhou a eleição com 21.613 votos contra 19.385 de Barreto.

Os recifenses, porém, não acataram aquele resultado, claramente manipulado. O Diário de Pernambuco, que pertencia ao conselheiro, foi cercado e impedido de circular. O comércio, a indústria e os transportes pararam. As tropas do exército tomaram o Palácio do Governo. E Dantas Barreto, aclamado pelo povo, tomou posse no dia 12 de novembro, com apoio da Presidência da República.

Rosa e Silva ficou, então, no ostracismo político até o fim do governo Hermes. Chegou a vender o Diário de Pernambuco, adquirido por ele em 1901, cuja publicação fora suspensa. Em 1915, porém, elegeu-se novamente senador e manteve-se no cargo até 1929, quando faleceu no Rio de Janeiro, aos 72 anos, sendo sepultado com honras de chefe de estado no Recife. Hoje dá nome a uma importante avenida desta cidade, tal como seu adversário, o general Dantas Barreto.

A saga de um empresário

Três anos após o incêndio do Mercado do Derby, Delmiro Gouveia raptou uma moça de 16 anos, filha do seu inimigo, o governador Sigismundo Gonçalves. E com ela mudou-se para Pedra (hoje, Delmiro Gouveia), um povoado de Alagoas onde teve outra ideia genial: criar uma fábrica de linhas de costura utilizando o algodão e a mão de obra do local e a energia da cachoeira de Paulo Afonso. Com apoio do governo alagoano construiu, então, a primeira hidroelétrica do Brasil, e em 1916 já vendia sua produção para toda América Latina. Em outubro de 1917, porém, foi morto a tiros no terraço da sua casa, até hoje não se sabe se por algum inimigo feito na região, devido ao seu estilo brigão e autoritário, ou a mando da sua principal concorrente no mercado de linhas, a firma inglesa Machine Cotton — que, após sua morte, comprou dos herdeiros a fábrica de Pedra, quebrou as máquinas e as lançou no rio São Francisco.

Forças armadas

Embora interviessem na política desde os tempos coloniais, as forças armadas brasileiras só se profissionalizaram e ganharam importância na Guerra do Paraguai (1864/1870). A partir daí, influenciadas pelo “positivismo” dos oficiais de classe média, proclamaram a República em 1889 e permaneceram em primeiro plano, muitas vezes enfrentando a Guarda Nacional e as polícias, que obedeciam aos senhores regionais.

Tenente Cleto Campelo, um herói desafortunado

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Ele liderou uma centena de pernambucanos que queriam se juntar à Coluna Prestes, mas não teve sorte na empreitada

Em janeiro de 1926, o jovem oficial Cleto Campelo, que estava exilado na Argentina, voltou ao seu Recife natal viajando clandestinamente, como foguista de navio. E chegou incumbido de uma importante missão. Quando a 1ª Divisão Revolucionária — uma tropa adiante chamada de Coluna Prestes, que cruzava o País protestando contra o governo do presidente Artur Bernardes —, entrasse em Pernambuco, ele deveria a promover um levante popular em seu apoio. Mas não teve sucesso: sua trama foi denunciada ao comando da 7ª Região Militar, que a sufocou, fazendo muitas prisões.

Cleto, porém, que escapou de ser pego, buscou uma alternativa. No dia 18 de fevereiro, com o sargento Waldemar de Paula, o marinheiro Severino Cavalcanti e mais treze civis, ele tomou de assalto a estação ferroviária de Jaboatão, onde recebeu a adesão de quarenta ferroviários. Montou, então, um trem de combate com quatro vagões e partiu com ele para Buique, onde pretendia se integrar à 1ª Divisão que, àquela altura, cruzava o sertão pernambucano.

O comboio parou em Tapera e em Vitória de Santo Antão, onde o tenente requisitou dinheiro, armas e munições na Prefeitura e na Coletoria Estadual, e mais cem ferroviários de Caruaru juntaram-se ao grupo. Em Gravatá, porém, seu plano foi por água abaixo…

TEMPOS MODERNOS

Cleto da Costa Campelo Filho nasceu no Recife, em 1898. Seu pai era contador, sua mãe dona de casa e ele, aos quatorze anos, alistou-se no 4º Batalhão de Infantaria, de onde seguiu para a Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro. E de lá voltou, em 1916, para servir como aspirante a oficial no 21º Batalhão de Caçadores. Já sua vida política começou em 1922, o ano do Centenário da Independência, que foi muito festivo — no Rio de Janeiro, por exemplo, montou-se uma grande feira internacional — mas também de muita agitação.

O fato é que a República, proclamada em 1889, mudara a forma de governo do Brasil, mas as mazelas sociais continuavam as mesmas do tempo do Império. A Inglaterra ainda tratava este país como sua colônia. Havia poucas indústrias. Os grandes proprietários rurais — em especial, os cafeicultores paulistas — seguiam mandando e desmandando. O sistema eleitoral era totalmente fraudulento. E os trabalhadores e a classe média protestavam contra tudo isso.

Em São Paulo, por exemplo, no mês de fevereiro, artistas e intelectuais de vanguarda afirmaram o valor da cultura nacional na Semana de Arte Moderna. No Rio de Janeiro, em março, sob a inspiração da Revolução Russa de 1917, foi fundado o Partido Comunista. E no historicamente rebelde Pernambuco, o segundo tenente Cleto Campelo agitava os quartéis, criticando o excessivo poder da família Pessoa de Queiroz na região.

Como castigo ele foi transferido, em maio, para o 6º Batalhão de Caçadores, sediado em Goiás. E na viagem, passando pelo Rio de Janeiro, concedeu uma explosiva entrevista ao jornal Correio da Manhã que lhe rendeu um mês de prisão na Fortaleza de Santa Cruz. Aí, o Brasil pegou fogo.

A GRANDE MARCHA

No segundo semestre de 1922, muitos militares se levantaram em armas em vários estados, pedindo voto secreto, ensino público, industrialização, direitos trabalhistas, liberdade de imprensa e o fim da corrupção, entre outras reformas. Esse movimento — chamado de “tenentismo”, embora nele também houvesse oficiais de outras patentes, inclusive um marechal — teve seu auge no Rio de Janeiro, em julho, quando dezoito rebeldes cercados no Forte de Copacabana saíram às calçadas para enfrentar as tropas do governo. Deles, a metade desertou, e dos restantes sobreviveram os tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos e o soldado Manoel Ananias. Feridos, mas cobertos de glória.Então, uma violenta repressão se abateu sobre os “tenentes”, nas forças armadas. Mesmo assim, dois anos depois se ergueu uma nova onda de protestos. E em julho de 1924 algumas guarnições do exército baseadas na capital paulista e parte da polícia de lá, com apoio da população civil, assumiram o controle da cidade, que foi severamente bombardeada pelo governo federal.

“Destrua-se São Paulo”, ordenou o presidente Bernardes, “mas preserve-se o império da lei”. Sem meios de resistir, o marechal Isodoro Dias Lopes, que comandava o levante, liderou, então, uma retirada de três mil homens em direção a Mato Grosso, onde sua coluna juntou-se a outra, vinda do Rio Grande do Sul sob a chefia dos capitães Luis Carlos Prestes, Siqueira Campos e Juarez Távora. Juntas, elas formaram a 1ª Divisão Revolucionária, que percorreu o Brasil nos dois anos seguintes.

Uma grande aventura que terminou em tragédia

Enquanto isso, o agora primeiro-tenente Cleto Campelo, de volta à Pernambuco, tentava fazer a tropa local também se rebelar, sem sucesso. E ao ser destacado para combater 1ª Divisão, em Mato Grosso, em 1925, ele desertou e foi para a Argentina. Lá se encontrou com outros revolucionários exilados e voltou, no início de 1926, para revolucionar sua terra natal.

Impedido, porém, pela ação repressiva do Comando do Exército local, Cleto apoderou-se do trem e foi se juntar à coluna que vagava pelo sertão, espalhando uma mensagem revolucionária pelo caminho. Mas a sua empreitada findou em Gravatá, a 80 km do Recife.

Liderando um bando homens sem treinamento militar, o tenente foi morto com um tiro no peito, disparado acidentalmente por um deles, ao tentar tomar de assalto a cadeia local. Então, a maioria do grupo desertou. E os trinta que prosseguiram, chefiados pelo sargento Waldemar de Paula, foram emboscados por jagunços do fazendeiro Chico Heráclito, rendidos e depois degolados.

Os 1.500 homens da 1ª Divisão, por sua vez, passaram quinze dias terríveis no alto sertão pernambucano, aguardando Cleto. “Combatendo diariamente, não nos sobrava tempo sequer para comer”, conforme registrou o coronel João Alberto, “aí atravessamos o São Francisco e invadimos a Bahia”.

Em 21 meses, essa tropa percorreu cerca de 25.000 km (para alguns, 36.000), cruzando doze estados, tomando mais de quinhentas cidades ou povoações, e combatida por tropas do exército, polícias estaduais, jagunços e cangaceiros. Lampião, inclusive, recebeu armas, dinheiro e a patente de capitão para enfrentá-la, mas não chegou a fazê-lo.

Ao se dissolver, porém, em fevereiro de 1927, a coluna permanecia invicta, com muito prestígio popular, e inspirou uma nova mobilização nacional em 1929, com a candidatura de Getúlio Vargas à presidência. A qual, por sua vez, deflagrou a Revolução de 1930 que, de fato, promoveu grandes reformas no País.

Nesse entretempo, numa estratégia de marketing político, 1ª Divisão Revolucionária passou a ser chamada de “Coluna Prestes”, e o gaúcho Luís Carlos Prestes de “Cavaleiro da Esperança”, sintetizando numa única figura o heroísmo de centenas de brasileiros. Entre eles, o pernambucano Cleto Campelo, que hoje dá nome a ruas de várias cidades nordestinas.

Os “Doze da Rua Velha”

As tentativas de levante foram muitas em Pernambuco, na década de vinte. Em abril de 1925, por exemplo, houve uma da qual Cleto Campelo também fez parte. Um grupo de militares e de militantes comunistas, liderados pelo advogado Sílvio Cravo, pretendia apoderar-se do Recife, mas a operação foi delatada por um traidor, o tenente Luis Gonzaga, da Força Pública (Polícia). Presos no seu local de reunião, a casa do jornalista José Toscano, os conspiradores, que ganharam o apelido de “Os Doze da Rua Velha”, findaram libertados por falta de provas. E pouco tempo depois já estavam metidos em novas conjuras, também mal sucedidas.

Corpo fechado e Princesa Isabel

A invencibilidade da Coluna Prestes gerou muitas lendas no meio do povo humilde do interior. Os revolucionários, por exemplo, possuiriam um “aparelho de mangaba” para cruzar os rios e uma “rede de pegar homens e cavalos” da qual ninguém escapava. Não eram batidos em combate porque Prestes “adivinhava” e devido aos poderes de uma negra feiticeira, a “Tia Maria”, que dançava nua diante das metralhadoras para “fechar o corpo” dos homens. E porque destruíam os instrumentos de tortura do tempo da escravidão que ainda havia nas cadeias, bem como as palmatórias nas escolas, dizia-se que a Princesa Isabel marchava
com eles.

Lampião, o legendário “Rei do Cangaço”

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Ele entrou na História como bandido cruel, para uns, e um produto das injustiças sociais

O temido cangaceiro Lampião teve seu momento de glória em Juazeiro do Norte, Ceará, no ano de 1926. Ele foi festejado, tirou fotos, deu entrevistas e autógrafos, e havia um bom motivo para isso. Quem até então era pintado pelos jornais de todo o País como um monstro, um bandoleiro perverso que aterrorizava os sertões, tornara-se do dia para a noite um precioso aliado do governo federal.

O fato é que a 1ª Divisão Revolucionária — depois chamada de Coluna Prestes —, que percorria o Brasil tentando levantar o povo contra o presidente Artur Bernardes, chegara ao Nordeste. E Lampião fora convocado para combatê-la por ninguém menos que o padre Cícero Romão Batista, pelo qual, como bom sertanejo, tinha muito respeito e devoção.

Na verdade, quem intermediara o negócio com o governo federal, por muitos contos de réis, fora o deputado Floro Bartolomeu, o chefe político local. Dele, Lampião recebeu fardas, armamento e a patente de capitão. E, aconselhado pelo Padim Ciço, prometeu largar o cangaço ao fim daquela empreitada.

Mas não chegou a enfrentar a Coluna. Quando votou a Pernambuco, foi atacado pela polícia e retomou a vida bandida até seu trágico final, doze anos depois…

SEM ESCOLHA

Virgulino Ferreira da Silva nasceu em 1897, em Vila Bela, atual Serra Talhada, no sertão pernambucano. E sua saga principiou, como outros tantos dramas sertanejos, com uma mera disputa entre vizinhos.

Em 1916, o fazendeiro José Saturnino acusou os jovens irmãos Antônio, Levino e Virgulino Ferreira de roubo de cabras. Se ele tinha razão, não se sabe; mas sabe-se que, tentando evitar um conflito maior, o pai dos três, José Ferreira, um pequeno criador de gado calmo e pacífico, vendeu o que tinha e mudou-se para o povoado de Nazaré do Pico, no município de Floresta.

Saturnino, porém, quebrou o acordo de não ir até Nazaré, sendo lá recebido à bala por Virgulino. E a guerra começou, com ataques de parte a parte, até José Ferreira ser morto pelo tenente José Lucena, aliado de Saturnino, em 1920. Aí, os rapazes entraram de vez no cangaço, no bando de Sinhô Pereira.

Cangaceiros havia no Nordeste desde o século XVIII, quando surgiu a lendária figura do Cabeleira, enforcado em 1776. O século XIX foi marcado por Jesuíno Brilhante, e no século XX surgiu Antônio Silvino, morto em 1914. Mas esse fenômeno social ganhou uma grande projeção no Brasil através da imprensa, com Lampião, dos anos 20 aos 40.

O cangaço tinha “pai” e “mãe”. O pai era o “coronelismo” vigente desde sempre no interior do país, onde os grandes proprietários agiam como senhores feudais, sem nenhum respeito à lei, mantendo cada qual sua milícia de jagunços e em luta uns com os outros por mais terras e poder. E a mãe era a secular cultura sertaneja da violência, na qual a “honra” era o maior de todos os valores e matava-se por qualquer pequena desavença.

Os irmãos Ferreira, vivendo naquele mundo, não tiveram muita escolha.

VIDA BANDIDA

Com Sinhô, Virgulino ganhou seu nome de guerra por ser capaz de atirar repetidamente até o cano do seu fuzil encandecer e brilhar, à noite. Também aprendeu as artes do sequestro, da extorsão, da agiotagem e das negociatas com políticos e policiais corruptos. E quando Sinhô largou o banditismo e mudou-se para Goiás em 1922, ele herdou a chefia do bando.

Nos anos seguintes ele percorreu o Nordeste — exceto o Piauí e o Maranhão — a pé e a cavalo, atacando fazendas, vilas e cidades, ou sendo nelas “acoitado” de acordo as circunstâncias locais. Lampião foi responsável pela morte de mais de mil pessoas, pelo roubo de mais de cinco mil cabeças de gado, pelo estupro mais de duzentas mulheres e travou centenas de combates com os “macacos” — os soldados que o perseguiam.Em 1924, por exemplo, ele entrou na cidade de Sousa, na Paraíba, e a saqueou inteira. Outras vezes, porém, foi repelido; como em 1927, quando atacou Mossoró, a segunda maior cidade do Rio Grande do Norte, e lá perdeu seu tenente Jararaca, baleado e enterrado ainda vivo.

Aqui acolá, como um Robin Hood brasileiro, ele tomava dos ricos para dar aos pobres. Em 1929, após invadir Quijingue, na Bahia, deu um baile público e distribuiu dinheiro para o povo. E tinha seus momentos de brandura. Em 1923, Lampião chegou de surpresa em Nazaré do Pico para impedir o casamento da sua prima e amor de infância, Maria Licor Ferreira, com um rapaz chamado Enoque Menezes. Mas deixou-se convencer pelo padre e foi embora em paz, com uma única ressalva: ninguém poderia dançar depois do casório!

As modernidades apressaram o fim do cangaço

Outro amor, porém, surgiu em 1930 quando o cangaceiro conheceu Maria Déia, casada com o sapateiro Zé de Neném, que fugiu com ele e, dois anos depois, lhe deu uma filha, Expedita Ferreira. Apelidada Maria Bonita, ela foi a primeira mulher a juntar-se ao bando, logo seguida por Inacinha, Lili, Sila, Adília e várias outras.

Numa época e numa região nas quais o gênero feminino era extremamente discriminado, no cangaço elas se relacionavam de igual para igual com os homens e participavam de tudo. Ana do Bonfim, por exemplo, era famosa pelo uso da faca peixeira e Dadá, companheira de Corisco, pariu um filho em meio a um tiroteio, em 1931.

A chegada, aos poucos, de modernidades como o rádio, que melhorou as comunicações, e a abertura de estradas, que permitiam o rápido transporte de tropas em caminhões, contudo, anunciavam que o tempo do cangaço estava acabando.

Na noite de 27 de julho de 1938, Lampião acampou com seu bando em Angicos, Sergipe, num esconderijo tido como bastante seguro. Mas foi traído, até hoje não se sabe por quem; e como chovia muito os cães não perceberam a aproximação da “volante” do tenente João Bezerra. Na madrugada do dia seguinte, quando os cangaceiros saíam das barracas para rezar o ofício, antes de tomar café — um ritual estabelecido pelo chefe, que era muito religioso — as metralhadoras começaram a cuspir fogo, sem lhes dar chance de defesa. Apenas Corisco e alguns outros conseguiram escapar.

As cabeças de Lampião, Maria Bonita e de uma dúzia de “cabras” foram então decepadas, salgadas e guardadas em latas com aguardente e cal. E João Bezerra percorreu vários estados nordestinos exibindo-as, atraindo multidões por onde passava.

Após esse tour macabro, elas seguiram para o IML de Aracaju e depois para a UFBA, em Salvador, onde foram examinadas e constatou-se que eram perfeitamente normais, contrariando a teoria do cientista italiano Lombroso, então em voga, de que os crânios dos criminosos apresentariam anomalias patológicas. Mas ficaram expostas num museu até 1969, quando finalmente foram exumadas, após muita luta das famílias dos mortos.

A memória do Rei do Cangaço, porém, permanece viva até hoje, sendo ele objeto de inúmeros estudos, filmes, livros, exposições, debates etc.

O bandido social

O renomado historiador inglês Eric Hobsbawn criou uma famosa definição de “banditismo social”. Para ele, trata-se de uma forma primitiva de reação à opressão, que ocorre quando os oprimidos não têm consciência política. Esses bandidos seriam homens orgulhosos que, ao serem injustiçados, se recusariam a baixar a cabeça; que contariam com apoio de parte da população e por vezes assumiriam o papel de seu vingador ou defensor; e que lutariam contra os excessos do sistema, não contra o próprio sistema. Eles, enfim, não seriam revolucionários, mas reformistas que tentavam estabelecer limites para a ação dos poderosos. Um modelo que assenta muito bem em Lampião.

Olê, mulher rendeira

Esse antigo tema musical, bem conhecido nos sertões nordestinos, teve a sua versão mais popular composta por Lampião, segundo um dos seus biógrafos, o padre Frederico Bezerra Maciel. E Luís da Câmara Cascudo acrescenta que a letra homenageia Maria Jocosa Lopes, avó do cangaceiro, que fazia rendas, tornando-se o hino de guerra do bando. O assalto à cidade de Mossoró, por exemplo, teria acontecido com os atacantes cantando essa canção. Há também uma gravação feita por Volta Seca, um sobrevivente do grupo. E, incluída no premiado filme O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, tornou-se conhecida no Brasil e no exterior

Carlos de Lima Cavalcanti, um usineiro reformista

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Mesmo fazendo parte de uma classe extremamente conservadora, ele liderou a Revolução de 30 em Pernambuco

Logo após ser derrotada nas eleições de 1929, quando lançou Getúlio Vargas à Presidência da República, a Aliança Liberal começou a organizar um grande levante no Brasil. Composta por intelectuais e oficiais das forças armadas, de classe média, além de alguns dissidentes das classes altas, essa frente pretendia derrubar o presidente Washington Luís e acabar com o poder dos velhos “coronéis”, que há décadas mandavam e desmandavam no país. Esse projeto ganhou força após a comoção nacional causada pelo assassinato de João Pessoa, presidente da Paraíba e candidato à vice-presidência pela Aliança, ocorrido no Recife, no dia 26 de julho de 1930. Dois meses depois os revoltosos saíram às ruas, com os militares à frente em todos os estados — menos em Pernambuco, onde o seu líder improvável não usava farda e, além disso, era um grande produtor de açúcar…

O FIM DE UMA ERA

Carlos de Lima Cavalcanti nasceu no ano de 1892, em Amaraji, município sede da Usina Pedrosa, que pertencia à sua família. Bacharel em Direito, elegeu-se deputado estadual em 1922, em 1925, e em 1927 lançou-se no jornalismo. Ao lado do seu irmão Caio fundou o Diário da Manhã e o Diário da Tarde, no Recife, saindo em defesa de causas progressistas e combatendo o grupo então dominante no Estado, liderado por Estácio Coimbra. Aí, veio a eleição presidencial de 1929, que sacudiu o País.

Ora, o Brasil, até então, era “federalista”, ou seja, os estados gozavam de grande autonomia. Os governadores, inclusive, eram chamados de “presidentes”. E como a maioria da população ainda vivia no campo e o voto não era secreto, quem dava as cartas eram os grandes produtores rurais de cada região— e, nacionalmente, os fazendeiros de café do sudeste, responsáveis por 70% das exportações brasileiras.

A industrialização e o êxodo das populações para as cidades, porém, foram aos poucos criando um operariado e uma classe média urbana, revoltados com o atraso e as grandes injustiças sociais. E a década de vinte foi de muitos protestos, com destaque para o movimento militar apelidado de “tenentismo”. Mas, sem grande sucesso, até que, devido à crise econômica de 1929, os Estados Unidos elevaram as taxas cobradas sobre os produtos importados, inclusive o café. E os donos dos Brasil se desentenderam entre si.

O paulista Washington Luís rompeu um acordo, vigente desde o início do século, segundo o qual a Presidência da República seria ocupada alternadamente por um paulista e um mineiro — a chamada “política do café-com-leite”. Ele indicou seu conterrâneo Júlio Prestes como candidato à sucessão. E, por conta disso, Minas Gerais se uniu à Paraíba e ao Rio Grande do Sul em torno da candidatura oposicionista do gaúcho Getúlio Vargas.

Nasceu, então, a Aliança Liberal, cuja plataforma destacava a necessidade da criação uma legislação trabalhista, entre outros avanços sociais. Sua filosofia, aliás, foi bem sintetizada pelo presidente de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, que implantou o voto secreto pela primeira vez no Brasil, em Belo Horizonte: “Façamos serenamente a revolução”, ele disse, “antes que o povo a faça pela violência”.

UM NOVO TEMPO

A campanha eleitoral foi relativamente calma para os padrões da época, com poucos mortos e feridos. E Júlio Prestes obteve 1.091.709 votos contra 742.797 de Getúlio Vargas, com as tradicionais acusações de fraude de ambas as partes. Mas a Aliança recusou-se a acatar o resultado e passou a tramar o golpe.

O começo não foi fácil. O capitão Luís Carlos Prestes, por exemplo, o legendário líder da coluna que percorrera o País de 1925 a 1927, invicta após dezenas de batalhas contra as tropas do governo, recusou um convite para ser o comandante militar do movimento. Para ele, que se tornara comunista, aquele projeto não atendia os anseios da classe operária.

O assassinato de João Pessoa, que fora candidato a vice na chapa de Getúlio, porém, pôs fim às vacilações. Ele serviu de estopim para deflagrar o levante, que principiou em Porto Alegre, no dia três de outubro, puxado por militares. No Recife, onde os revolucionários eram civis, na maioria, o triunfo veio após furiosos combates, que causaram mais de 150 mortes.

Getúlio Vargas entrou vitorioso no Rio de Janeiro em 31 de outubro de 1930, e no dia seguinte, pelo rádio, anunciou a revogação da constituição de 1891 e a formação de um governo provisório, passando a administrar por meio de decretos. E para dirigir os vinte estados nomeou oficiais do Exército — à exceção de Minas Gerais, onde o civil Antonio Carlos manteve-se no comando, e Pernambuco, onde assumiu Carlos de Lima Cavalcanti.

Um governo comprometido comas causas do povo

O usineiro estreou como interventor apoiando a organização do operariado e incentivando a mobilização popular. Em 1931, enfrentou e venceu um levante anti-revolucionário do 21º Batalhão de Caçadores, que se rebelou contra o seu governo, ocupando quartéis e delegacias e sacudindo o Recife por três dias. E no ano seguinte despachou seis mil homens para São Paulo — eles foram ajudar no combate ao movimento “constitucionalista” lá deflagrado contra o governo de Vargas.

Em 1934, Carlos indicou seu conterrâneo Agamenon Magalhães para assumir o importantíssimo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, criado após a Revolução. E em abril de 1935 elegeu-se governador de Pernambuco, numa eleição indireta na qual votaram os deputados estaduais constituintes.

Naquele ano, porém, ele começou a afastar-se de Vargas. E estava na Europa quando eclodiu no Recife, em Natal e no Rio de Janeiro um levante contra o governo promovido pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), liderado pelos comunistas e rapidamente sufocado.

Carlos demitiu, então, alguns membros de seu secretariado envolvidos com aquele movimento, mas ele próprio foi acusado de conivência. E quando Vargas tornou-se abertamente ditador, estabelecendo o “Estado Novo”, em 1937, foi imediatamente deposto, sendo substituído pelo seu antigo aliado Agamenon Magalhães.

No ano seguinte, enfrentando dificuldades financeiras e sem ambiente político para permanecer em Pernambuco, Carlos aceitou o convite de Vargas para assumir a embaixada do Brasil na Colômbia. E em 1939 foi transferido para a embaixada do México, onde ficou até 1945, quando foi mandado para Cuba.

Com a redemocratização do Brasil, porém, ocorrida naquele ano, ele voltou e filiou-se à União Democrática Nacional (UDN), partido pelo qual se elegeu deputado à Assembleia Constituinte, em 1946, e deputado federal, em 1950. Em 1954, o presidente Café Filho o escolheu para comandar o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), e em 1956 foi eleito deputado federal, pela última vez.

Carlos de Lima Cavalcanti morreu no Rio de Janeiro, em 1967, e hoje dá nome a uma via no Recife e a uma importante avenida em Olinda.

A morte de João Pessoa

O presidente da Paraíba foi morto por uma questão de honra. Ele mandou vasculhar o escritório de João Dantas, seu adversário na política paraibana, onde foram encontrados cartas e poemas de amor trocados por Dantas e sua amante, a poetisa Anayde Beiriz, dona de “olhos de pantera dormente”, que foram divulgados publicamente. O ofendido, então, vingou-se disparando dois tiros no ofensor, com quem se encontrou na Confeitaria Glória, na Rua Nova, no Recife. Presos na Casa de Detenção. João Dantas e seu cunhado Augusto Caldas foram lá assassinados, e Anayde também morreu, envenenada, pouco tempo depois. Essa história é contada no filme Parahyba Mulher Macho, de Tizuka Yamazaki , produzido no Recife, em 1983, pois os paraibanos não quiseram que fosse filmado por lá.

Retidão e competência

Os interventores nomeados por Vargas, em 1930, eram geralmente militares sem experiência administrativa, e alguns deles fizeram governos desastrosos. Carlos de Lima, pelo contrário, dotado de grande espírito público, apoiou as instituições de ensino e pesquisa que desenvolviam trabalhos de vanguarda nos campos da agronomia, da engenharia e da saúde, em Pernambuco; cuidou dos menores abandonados; incentivou a instalação dos jardins projetados por Burle Marx nos bairros recifenses de Casa Forte e Benfica; e saiu do governo aplaudido, em 1937.

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